9 de Janeiro de 1945. Discretamente, nas suas páginas interiores e em pequenas e discretas notícias, os jornais portugueses davam conta de alguns dos aspectos mais dramáticos daquilo a que os franceses denominavam por l'épuration (a depuração), o julgamento de todos aqueles que se haviam destacado quando do regime colaboracionista que governara o país entre 1940 e 1944. Há precisamente 75 anos, os nomeados eram duas figuras bastante secundárias do regime, Paul Chack (à esquerda), que fora fuzilado naquele mesmo dia, e Henri Béraud (à direita), que iria sê-lo também, proximamente, porque o apelo para a clemência, acabara de ser rejeitado pelo júri. Afinal Béraud acabará por ver a sua pena de morte comutada pelo presidente de Gaulle e sobreviverá, apesar de hemiplégico, até 1958. Visto com distanciamento, a grande ironia de toda esta situação, é que estes dois condenados à morte eram figuras intelectuais, com responsabilidades morais pela promoção das suas ideologias, decerto, mas sem grandes responsabilidades concretas por que os condenar, ainda por cima à pena capital.
Só que o ambiente político em França - e veja-se acima o que se dizia nas notícias na imprensa francesa a respeito destes mesmos dois condenados - pedia vingança e sangue(!). Descontando aquelas figuras políticas de maior notoriedade, caso de Pierre Laval, muitos secundários do regime de Vichy haviam-se antecipado aos acontecimentos e haviam-se bandeado a tempo para o lado dos vencedores, como foi o caso - só hoje reconhecido - do futuro presidente François Mitterrand. Muito mais chocante ainda, e nunca verdadeiramente escrutinado do ponto de vista político e social, era o caso dos membros da magistratura francesa, que haviam sido concreta e completamente coniventes com alguns dos aspectos mais servis e cruéis do regime de Vichy - nomeadamente as deportações - e que agora apareciam, como que impolutos, a condenar à morte réus como Chack e Béraud que eram mais responsáveis por delitos de opinião do que, por exemplo, aqueles que os julgavam e que haviam sido responsáveis por decisões judiciais para o envio de refractários ao STO para trabalhar na Alemanha, ou de refugiados judeus para os seus campos de extermínio.
Por todo este acumular de excessos e injustiças, houve uma certa franja da sociedade francesa (que inclui e onde predomina a extrema direita, mas que está muito longe de se cingir apenas a ela) que construiu uma imagem da épuration a que apodou de selvagem.
"Muito mais chocante ainda, e nunca verdadeiramente escrutinado do ponto de vista político e social, era o caso da magistratura que haviam sido concreta e completamente conivente com alguns dos aspectos mais servis e cruéis do regime de Vichy - nomeadamente as deportações - e que agora apareciam, como que impolutos,"..... Não sei porquê, isto lembra-me qualquer coisa.
ResponderEliminarMuito bom post.
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