16 janeiro 2020

O PRIMEIRO DIA DE TRABALHO DO PRIMEIRO GOVERNO VERDADEIRAMENTE DE MARCELLO

Ainda 16 de Janeiro de 1970. Só quinze meses depois da sucessão a Salazar, é que Marcello Caetano conseguirá formar um governo seu, que não resultasse dos equilíbrios de circunstância, substituindo antigos rivais de pastas de relevo (nomeadamente Franco Nogueira nos Negócios Estrangeiros) e trazendo os seus homens de confiança para junto de si (será o caso de Baltazar Rebelo de Sousa para a pasta das Corporações). Sinal de que este último, enquanto governador-geral de Moçambique, adquirira um staff verdadeiramente especializado em lidar com a imprensa e que era muito mais eficaz do que o que acompanhava os seus colegas de governo e mesmo o presidente do Conselho, é que é a sua cerimónia de cumprimentos no ministério que domina as páginas centrais da edição do Diário de Lisboa daquele dia. É muito desvelo para 45 minutos de apertos de mão mais algumas palavras de circunstância que não se devem ter distinguido das cerimónias quase simultâneas em tantos outros ministérios. Por aqui se constata como filho de peixe - o Marcelo, este - sabe nadar. Em contraste, o chefe de governo - o Marcello, o outro - aproveita a ocasião para conceder uma entrevista ao jornal francês Le Figaro, onde passa um recado ideológico verdadeiramente relevante para quem queira descortinar quais serão as suas intenções políticas: «Não podemos juntar-nos completamente à Europa». Mas, tanta seria, comparativamente, a falta de jeito do staff de Marcello para a imprensa, que, nessa mesma página, esse aspecto crucial do nosso posicionamento estratégico acabou chutado para um canto, quase misturado com o anúncio de uma descoberta científica («depois de milhares de experiências»): o superalimento vitaminado Dynavit, comercializado pela diese, de que uns poucos gramas haviam recuperado um pombo quase moribundo, com direito a fotografia (do pombo, não de Marcello).

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