04 janeiro 2020

O DISCURSO SOBRE «O(S) VENTO(S) DE MUDANÇA» QUE VARRIA(M) ÁFRICA

A edição de 4 de Janeiro de 1960 do Diário de Lisboa dava um destaque de primeira página a uma grande viagem a África que o primeiro-ministro britânico, Harold MacMillan (1894-1986), iria iniciar no dia seguinte. Prevista para durar seis semanas, o périplo viria a envolver visitas ao Gana (já então independente), à Nigéria (em vias de o vir a ser), Zâmbia e Zimbabué (que então constituíam uma só colónia denominada Rodésia), terminando o percurso oficial na África do Sul, nos primeiros dias de Fevereiro. Foi na cidade do Cabo, onde se localiza o parlamento sul-africano, que MacMillan virá a proferir um discurso que, por esta vez, rara, justificará a passagem da notícia acima que, como de costume nos jornais, remetia para repercussões históricas - «Na opinião dos círculos diplomáticos esta viagem terá influência histórica». Teve, embora não pelas razões antecipadas pelo jornal. O discurso então proferido por Harold MacMillan, que veio a ficar registado para a História pelo nome de «Ventos de Mudança*», era o anúncio de uma antecipação dos cronogramas para as concessões das independências das colónias britânicas naquele continente. O processo, que fora programado para durar décadas, em função das condições sociais, políticas e económicas consideradas necessárias para cada colónia alcançar a respectiva independência, ia agora ser concluído em menos de uma década (a última independência a ser proclamada iria ser a da Suazilândia em 1968). Colateralmente, as circunstâncias do discurso, sobretudo o local e a audiência, onde era proferido, eram também indicativo de que a condescendência política da metrópole britânica para com o regime do apartheid sul-africano tinha os dias contados. Os anfitriões sul-africanos acusaram o toque. Esta notícia do Diário de Lisboa de há 60 anos, mais do que uma grande notícia, era uma notícia presciente! O que não se pode dizer, contudo, é que a visita, tal qual era apreciada pela edição do Diário de Lisboa de há sessenta anos, se destinasse a «fortalecer a influência britânica naquele continente»... 

* Wind of change, no original, expressão extraída de uma passagem onde se lia «um vento de mudança está a soprar através deste continente. Queiramos ou não, este crescimento das consciências nacionais é um facto político». Algures a meio das transcrições, e porque talvez soasse melhor, o vento passou a ser plural, ventos de mudança.

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