20 janeiro 2020

CIDADÃO CLEM

As biografias parecem ser um género literário que medra, mas a popularidade dos livros do género dependerão da popularidade do biografado: ainda neste Natal, alguém, numa rede social, pedia a opinião a quem considerava entendido, sobre se a leitura de uma segunda biografia sobre Winston Churchill acabada de publicar se justificaria para quem já havia lido uma outra sobre o mesmo Churchill, que fora editada há apenas cinco anos. A resposta lá veio, redonda e inconclusiva, como seria de esperar: «A do Gilbert é magnífica, mas vale a pena ler esta também». Mas, se conto este episódio, é para realçar o quanto parece haver predestinados para serem tópico de biografia e haver sobre eles biografias muitas, talvez demasiadas (como será o caso de Churchill, mas também Lenine, Estaline, Trotsky,...), e como haverá outras figuras históricas que estarão vocacionadas para a sombra, de que exemplo excelente para contrapor a Churchill, é Clement Attlee (1883-1967), o seu segundo durante o governo de coligação de guerra de 1940 a 1945 e depois primeiro-ministro do Reino Unido de 1945 a 1951. A biografia acima é muito interessante, para mais quando se conhece de antemão a exuberância de Winston Churchill, de que Clement Attlee é um quase perfeito contraponto - mas apenas para aqueles que, menos sensíveis à promoção e à superficialidade, conseguem ver para além das aparências. Clement Attlee parece ser uma demonstração de que uma carreira política é feita não apenas do homem - no caso, sem carisma - mas também, nas imorredouras palavras de Ortega y Gasset, da sua circunstância. Attlee não seria o mais ofuscante dos dirigentes trabalhistas para assumir a liderança do partido trabalhista em 1935, mas seria o mais fiável e foi assim que foi escolhido; ninguém daria grande coisa pela sua liderança mas lá se aguentou; a partir de 1940 e no governo de coligação nacional, Attlee nunca se compararia em brilhantismo a Churchill mas, quando terminou a Segunda Guerra Mundial, nas eleições que tiveram lugar em Julho de 1945, os britânicos preferiram a sobriedade e confiança que ele transmitia à atitude do seu rival - um momento que é sempre difícil de contornar explicativamente em todas as biografias de Churchill que tive oportunidade de ler. E a actuação do governo trabalhista do Reino Unido nos anos imediatamente a seguir à guerra são uma experiência que poucos conhecem e sobre a qual, mesmo os simpatizantes da esquerda da Europa continental, por desconhecimento, não sabem muito bem o que dizer. Este livro bem poderia ser traduzido para português em vez das incontáveis biografias de figuras históricas mais à moda, mesmo (ou especialmente) quando há queixas disparatadas de que aquelas que existem ainda não chegam...

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