Como alguma actualidade deste fim de semana está dominada por um certo frenesim ultrajado que está a ser provocado pela ressonância às notícias dos abandonos do CDS, lembrei-me de memória de uma história antiga, constante da biografia de Jorge Sampaio de José Pedro Castanheira, uma história que tem a ver com entradas, não com saídas, mas que tem sobretudo a ver com a ressonância mediática do gesto da entrada (por saída). E é assim que nos vamos transportar até ao ano de 1978, quando as derivas teórico-esquerdistas de Jorge Sampaio e de um núcleo fiel que o acompanhava (o grupo do Flórida - um snack-bar de um hotel do Marquês de Pombal) os haviam conduzido a um impasse político. Colocou-se a questão de se filiarem no PS (que estava então no poder). Só que os socialistas e Mário Soares faziam questão que as adesões se processassem individualmente e Jorge Sampaio, arrancando uma última concessão, exigiu que essas adesões fossem noticiadas com destaque de primeira página no Diário de Notícias. Mário Soares terá mostrado relutância e invocado uma impotência que a continuação dos acontecimentos tornou cómica, pois no dia convencionado - 20 de Fevereiro de 1978 - lá estava, em primeira página, uma oportuna reflexão de Mário Mesquita (director interino do jornal e militante socialista) sobre o significado da adesão daquele lote de intelectuais que constituíram uma nova ala esquerda do partido. A fotografia acima é a da página 591 da biografia de Sampaio, e inclui a famosa capa do Diário de Notícias que Mário Soares não sabia se conseguia publicar...
Porém, outros jornais desse mesmo dia deram um destaque menor à notícia, caso do Diário de Lisboa, que a empurrou para a sua segunda página como se pode observar acima. A esta distância, é um pouco difícil avaliar qual dos dois jornais terá adoptado um princípio editorial mais equilibrado. É verdade que a adesão ao PS de um punhado de intelectuais - que, apesar de só se representarem a si próprios, sempre haviam disposto de uma imprensa extremamente benévola para com eles - não constituiria, por si, um acontecimento de uma notoriedade por aí além. No Diário de Notícias forçara-se a nota, exigência de Jorge Sampaio. Mas, por outro lado, também não é possível avaliar com neutralidade a decisão do Diário de Lisboa de remeter o assunto para o interior do jornal, conhecidas que eram as suas simpatias comunistas e, mais do que isso, a atitude descaradamente anti-PS daquele jornal naqueles anos. Note-se a esse respeito que, se em Fevereiro de 1978, as 31 entradas para o PS não haviam merecido o destaque de serem noticiadas na primeira página, já em 6 de Julho desse mesmo ano (abaixo), havia 33 saídas do PS que o mereciam... Ou seja não é só a importância noticiosa das entradas num determinado partido que variam de jornal para jornal, num mesmo jornal elas podem variar conforme se trate de entradas ou de saídas. É uma questão de jornal...
Enriquecidos com as lições desta evocação do passado, regressemos então ao presente e ao destaque noticioso, não apenas de hoje, mas que, de há uns meses para cá, se tem estado a dar aos abandonos do CDS. Por exemplo, algumas das notícias de desfiliações que têm sido dadas pelo Público, que a da refiliação do antigo presidente do CDS, Manuel Monteiro, não chega para anular. Com a convicção que o encadeado e a ressonância das notícias continua, como outrora, a nada ter de inocente. E, também como outrora, com a convicção que a notícia da entrada para o PS de Jorge Sampaio (e os outros) tem a mesma irrelevância política (a curto prazo) que a saída do CDS de Adolfo Mesquita Nunes e dos outros terá. Aliás, e continuando a pensar a curto prazo, não percebo de todo este frenesim para dominar o partido quando as perspectivas eleitorais do CDS se apresentam tão deprimentes para o próximo acto eleitoral. Porque não deixam o Chicão ir a votos e sair-se com o resultado medíocre que quase todos vaticinam? Depois disso, com uma representação parlamentar que já nem será a de um táxi, não lhe restará outra opção senão demitir-se (como aconteceu, de resto, com Assunção Cristas). Ou terá Nuno Melo a ingenuidade de acreditar-se capaz de reverter esse desfecho eleitoral no curto prazo de tempo de que dispões? Ou então nada disto é ingénuo, e é tudo uma questão de disputar um, dois ou três lugares de deputados? Se for, é muito triste.
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