12 outubro 2021

A CELEBRAÇÃO DOS 2.500 ANOS DO IMPÉRIO PERSA


12 de Outubro de 1971. Com a chegada do Xá a uma base militar próxima de Persépolis, iniciavam-se as cerimónias das celebrações dos 2.500 anos da fundação do império persa por Ciro, o Grande. A data escolhida foi, obviamente, tão especulativa quanto arbitrária - estava-se a celebrar algo que teria acontecido em 529 a.C.! Contudo, o que era importante era o significado político da celebração e não o seu rigor histórico. Através dela, o regime iraniano procurava demarcar-se daquela que seria a sua «civilização» (para empregar uma terminologia que então não existia, só veio a ser popularizada vinte e dois anos depois com Samuel Huntington) e para ir buscar as suas raízes a várias estruturas políticas muito bem sucedidas que haviam precedido o Islão: os impérios aqueménida, arsácida e sassânida. Era uma movimentação ousada, mas intelectualmente brilhante, que procurava atribuir ao Irão uma especificidade outra que não a religiosa, nomeadamente o xiismo, que o distinguia das outras correntes do Islão. Com a valorização que se pretendia com o gesto de atribuir àquelas raízes pré-islâmicas, procurava-se fomentar ainda mais o laicismo da sociedade iraniana, aquilo que, na época, parecia condição favorável para as reformas sociais e a sua ocidentalização, conforme se comprovara com o que acontecera nos cinquenta anos precedentes com a vizinha Turquia. Se a ideia se apresentava teoricamente brilhante, a sua implementação, tal qual ela pôde ser apreciada nestas cerimónias, revelou-se um desastre. Cerimónias como o cortejo histórico (que se pode ver no vídeo mais abaixo) só podiam suplantar na magnificência dos meios, que não na imaginação, aquilo que já se vira noutras celebrações equivalentes, até mesmo por cá, por ocasião da exposição do Mundo português de 1940.
O ponto frágil de todas as celebrações, contudo, percebe-se hoje, foi a prioridade que se deu a projectar as cerimónias para o exterior, e a falta de cuidado que houve em transformá-las em festas populares. Houve uma preocupação extrema em ter presentes as mais destacadas figuras políticas internacionais (especialmente monarcas - Bélgica, Dinamarca, Etiópia, Jordânia, Nepal, Noruega,...), mas isso apenas acentuou o carácter aristocrático das cerimónias - significativamente, os banquetes que foram servidos, previstos para 500/600 convidados, um deles para durar cinco horas e meia(!), foram encomendados em Paris, ao restaurante Maxim's. Não é por isso de estranhar que todos os vinhos e espumantes que acompanhavam os banquetes fossem franceses. Enquanto isso, e porque Persépolis se situa numa das regiões remotas do Irão e nada fora pensado em termos de transportes colectivos para o local, o melhor que qualquer iraniano poderia fazer para acompanhar as cerimónias que proclamavam a grandiosidade e perenidade do seu país era segui-las pela... televisão. Caso o conseguisse, porque as emissões de cobriam apenas 30% dos iranianos. Escolhi uma fotografia que me parecesse simbólica da ocasião: nela se vê, à direita, o Xá a discursar, por detrás dele vê-se toda a comitiva que o acompanhava, doméstica e internacional, mas não se chega a ver para quem é que o Xá está a discursar. Na realidade, o que a fotografia não mostra é que não estaria lá ninguém, o povo iraniano brilhou pela ausência nestas cerimónias que, não fora a seriedade política que o regime iraniano lhes pretendeu atribuir, bem podiam ser comparadas no seu exclusivismo aristocrático a uma daquelas caçadas à raposa típicas da gentry inglesa.

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