26 outubro 2021

MAIS DO QUE OPINIÃO PÚBLICA E MAIS DO QUE OPINIÃO PUBLICADA, ESTAMOS NA ÉPOCA DA OPINIÃO CONSENSUAL

Se há alguma lição a retirar da surpresa como ocorreu esta crise política é a de constatar como as opiniões publicadas são geridas pelo poder político, nomeadamente o governamental. Como nas hostes socialistas não se configurara qualquer cenário em que todos os seus potenciais parceiros políticos se recusassem a alinhar consigo, ia haver muita emoção até ao cair do pano, mas garantidamente não ia haver crise. Vale a pena recuperar, para troça, este cabeçalho acima do jornal Sol, publicado há apenas três dias. Apetece perguntar agora: quem é que plantou aquilo?... Pouco importa, porque a diversão passou agora para os «comentadores a tentarem explicar a lógica de uma coisa que pura e simplesmente não viram chegar.» E isto é uma citação de um comentador (João Miguel Tavares), enquanto nos explica que ele não, ele é que fora mais presciente do que os outros comentadores. Essencialmente, pelo que li e enquanto se foi formando como uma tempestade, ninguém deu por ela - pela crise - até há poucos dias.
O esforço dos comentadores em pretenderem que o que aconteceu não aconteceu com eles, só com os outros, faz-me lembrar os jogos de cintura de quem joga hula-hoop: o arco nunca vai ao chão... E, porque se convencem que nos convenceram, é que nem darão mostras de se quererem moderar com os erros. Não anteciparam a crise política, mas já tem prognósticos garantidos para as eleições que se antecipam: «Só mesmo o Chega e a Iniciativa Liberal (...) são os únicos vencedores antecipados de umas eleições que podem correr muito mal a muita gente.», escreve João Miguel Tavares. Outro que também acha coisas consentâneas com o comentário consensual é André Azevedo Alves: «Os únicos beneficiários claros [de eleições antecipadas] são o Chega e a Iniciativa Liberal». Claro que quando se proceder ao escrutínio dos votos, no dia das eleições, poderá haver «vencedores não antecipados» (desdizendo Tavares) ou então «beneficiários menos claros» (contrariando os «estudos políticos» de Azevedo Alves). Essa história de andar - metaforicamente - com o hula-hoop à volta da cintura também cansa e descredibiliza.
Por sinal, e em nota de rodapé, permitam-me discordar desta história, mais uma vez consensual, de associar a Iniciativa Liberal ao Chega. Este último já deu provas do que pode valer eleitoralmente, nomeadamente quando André Ventura recebeu quase 500.000 votos nas eleições presidenciais do princípio deste ano. Mas a Iniciativa Liberal (cujo candidato recebeu 135.000 votos nessas mesmas eleições) parece o exemplo reencenado de um fenómeno que apareceu logo nos princípios da nossa democracia, há 40 anos, e que se denominava por «síndrome de PPM»: havia imensa gente a confessar gostar do partido, tinha uma imprensa extremamente simpática (nomeadamente para com o seu líder, Gonçalo Ribeiro Teles),... só que essa simpatia nunca se conseguiu traduzir em votos. Agora, também tenho visto a Iniciativa Liberal a ser levada ao colo como o faziam com o PPM. Mas, tomando como referência mínima os 250.000 votos que diferenciam eleitoralmente uma formação política de um epifenómeno, surpreender-me-ia se o Chega não ultrapassasse essa meta nas próximas eleições, enquanto não tenho qualquer certeza que os liberais a consigam sequer alcançar.

3 comentários:

  1. os 250.000 votos que diferenciam eleitoralmente uma formação política de um epifenómeno

    Será interessante saber se nas próximas eleições o PCP e o BE não se transformarão em epifenómenos...

    ResponderEliminar
  2. Então o CDS também se transformará num epifenómeno...

    ResponderEliminar
  3. Como é tradicional, escapou-lhe o essencial do texto, mas Democracia é isto mesmo, Lavoura: até as suas previsões são pertinentes.

    ResponderEliminar