06 outubro 2021

A EMBOSCADA E MORTE DO ALTO-COMISSÁRIO BRITÂNICO NA MALÁSIA

6 de Outubro de 1951. Precisamente 30 anos antes do de Sadat, outro assassinato político de relevo, embora de repercussões comparativamente menores. A Malásia era então uma colónia britânica. E uma colónia britânica onde existia, desde 1948, um movimento de guerrilhas contra a tutela britânica. Um movimento que patrocinado pelo partido comunista malaio, um partido onde imperava a comunidade chinesa instalada na Malásia, e onde o apoio oriundo de Pequim era mais do que evidente. Portanto em 1951 a Malásia era uma colónia em guerra. E é esse facto que torna embaraçosamente inexplicável as circunstâncias em que o mais elevado membro da administração colonial britânica na Malásia, o Alto-Comissário Sir Henry Gurney (1898-1951) é emboscado na estrada quando seguia no seu imponente Rolls Royce Silver Wraith integrado numa coluna militar que, afinal, se mostrou incapaz de o proteger. Num país normal, a morte do Alto-Comissário nas circunstâncias descritas seria um vexame. Alguém pode imaginar como, em Portugal, nos sentiríamos se, em 1964, três anos depois do início da guerra em Angola, uma patrulha do MPLA tivesse emboscado uma coluna na estrada onde seguisse o Governador-Geral Silvino Silvério Marques? Teria sido a queda do Carmo e da Trindade, mesmo se nada tivesse acontecido ao Governador-Geral português... Mas, ainda por cima, aconteceu algo ao Alto-Comissário britânico, o seu carro foi atingido por 37 tiros (acima, à direita). Contudo, os ingleses têm uma vocação ímpar em transformar os seus maiores fiascos em epopeias gloriosas: o Alto-Comissário não morreu porque a sua escolta era manifestamente insuficiente para o defender e fora rapidamente posta fora de combate (os atacantes eram o triplo dos defensores e estavam melhor armados); o Alto-Comissário não morreu porque os serviços de informações britânicos ignoravam por completo o paradeiro e as intenções do inimigo; o Alto-Comissário morreu porque - foi a versão oficial - assumiu uma atitude corajosa e tentou atrair sobre si o fogo dos assaltantes enquanto se afastava da viatura onde seguiam a esposa e o secretário particular. Entretanto, é significativo que o motorista que conduzia a viatura também morrera e que cinco dos seis homens da escolta policial haviam também ficado feridos. A verdade é que a veracidade dos últimos momentos do Alto-Comissário nunca poderão ser confirmadas ou desmentidas. O que é factual é que as autoridades britânicas, ao contrário do que seria de esperar como exploração de um tal gesto heróico, se apressaram a realizar o funeral do Alto-Comissário, que se veio a realizar uns escassos dois dias depois da emboscada em Kuala Lumpur (abaixo). Também factual é que, de uma leitura que efectuei ao Diário de Lisboa daquela altura, nem uma referencia aparece ao ocorrido. Saber distorcer uma história parece-me ser um dos segredos para que a história da política colonial britânica pareça normalmente tão bem sucedida.

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