30 setembro 2020

COISAS GIRAS (E NÃO MUITO VERDADEIRAS) QUE SE ESCREVIAM HÁ QUARENTA ANOS

30 de Setembro de 1980. As eleições legislativas portuguesas aproximavam-se a passos largos (seriam no próximo Domingo, 5 de Outubro) e o Diário de Lisboa publicava um editorial onde se defendia das acusações do engajamento excessivo que demonstrara para com os comunistas ao longo da campanha e pré-campanha eleitoral que agora estava quase a terminar: «A posição de um jornal independente perante a campanha eleitoral para a renovação da Assembleia da República parece não ser compreendida por certas entidades e suscitar algumas dúvidas, e quiçá protestos, de parte de forças políticas que se sintam eventualmente desfavorecidas. Todavia a informação não pode ser igualitária, a não ser que abdique de ser responsável.» Contudo, tudo levava a crer, com uma boa dose de ironia, que as «certas entidades» e sobretudo «as forças políticas desfavorecidas» a que o autor do editorial se referia não seriam os esperados membros da Aliança Democrática (então no poder) que o leitor mais distraído concluiria, mas os socialistas que, naquelas eleições, concorriam numa coligação denominada FRS (Frente Republicana e Socialista). De facto, e desde o primeiro dia da campanha (aprecie-se abaixo a edição do mesmo Diário de Lisboa de 15 de Setembro), que o jornal se esforçara por patrocinar a campanha dos comunistas enquanto elegia a aliança da direita como o grande inimigo a abater. Porém, nesse processo, os socialistas eram contornados e ignorados - repare-se abaixo, como não há espaço para a FRS na primeira página da edição do primeiro dia da campanha! (A primeira fotografia era da APU, a coligação comunista que o jornal endossava, a segunda era da AD, a coligação direitista que o jornal elegera como a adversária a derrubar, e a terceira fotografia era do presidente Eanes, já não tinha nada a ver com a campanha) Era apenas o prelúdio de um padrão de tratamento ao longo de toda a campanha. Aos direitistas não os surpreendeu serem eleitos os inimigos de estimação. Aos socialistas surpreendeu-os serem remetidos noticiosamente para uma posição subaterna.
Como já aqui eu referira ainda há menos de dois meses, se os objectivos negativos dos comunistas eram retirar a maioria parlamentar absoluta à direita, os seus sonhos secretos, pela positiva, eram, mais do que o aumento, conseguir ultrapassar a votação e a representação parlamentar dos socialistas. E, nesse aspecto, aquilo que se observava pela cobertura noticiosa do Diário de Lisboa, demonstrava como eles, no jornal, estavam sintonizados com os objectivos comunistas. Objectiva e subjectivamente, como eles, comunistas, tanto gostam de classificar as condições na sua linguagem de calão, o Diário de Lisboa não era um jornal de esquerda, em prol da esquerda, era um jornal sectário, alinhado com os comunistas, à esquerda da esquerda. O que, desagradando aos socialistas, não era propriamente uma revelação... Mas perante as manifestações desse desagrado pelos socialistas (que se sabem, mas não se lêem no jornal), o editorial de 30 de Setembro prossegue, com a tónica insistente no facto de serem «um jornal livre e independente». E que sabem «resistir às pressões e às solicitações. E, também, às ameaças.» Os socialistas nunca perdoaram e confinaram o Diário de Lisboa a um gueto, considerando-o uma versão vespertina de O Diário (um outro jornal, matutino, ainda mais engajado aos comunistas). Quanto ao conteúdo do editorial, aquele é uma conversa velha de 40 anos, mas chega a ser divertido vê-la agora reencenada à vezes, embora do outro lado do espectro político e com a autoria conhecida de José Manuel Fernandes, quando o lemos a tentar defender os malabarismos do Observador. As mentiras descaradas são intemporais e nunca tiveram uma ideologia preferida.

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