23 setembro 2020

«WHO READS THE PAPERS?» (versão preliminar portuguesa de 1945)

Há um engraçadíssimo sketch em Yes, Prime Minister, intitulado «Who Reads the Papers?» em que aquele analisa de forma muito crítica as características dos principais jornais da imprensa britânica (e dos seus leitores...). É um dos momentos favoritos dos, como eu, fãs da série. Imaginem assim a minha surpresa ao descobrir na edição do Diário de Lisboa de 23 de Setembro de 1945 (há portanto, precisamente 75 anos!) um interessantíssimo artigo, digno de ser classificado como um predecessor de tal sketch e que não resisto a republicar para que apreciem de vossa justiça.

A IMPRENSA INGLESA E A VIDA ANEDÓTICA DALGUNS JORNAIS

A Inglaterra é o país das tradições – e dizê-lo constitui já lugar comum. Mas é curioso notar, ainda assim, que esse conservantismo se deve, em grande parte, à opinião pública orientada pela imprensa.

Nota curiosa, porém: a tiragem de um jornal nem sempre corresponde ao seu grau de influência, como acontece, por exemplo, com o «Daily Express» que tira perto de 3 milhões de exemplares, e com o «Times» que anda à roda dos 180 mil.

Para que, entretanto, se possa bem compreender a função da imprensa britânica, com as suas zonas de influência e razões de existência, é preciso esclarecer desde já: seis grandes «trusts» dominam essa existência, três dos quais – os principais – são comandados por lorde Rothermere («Daily Mail», «Evening News», «Sunday Dispatch», dez diários de província e mais oito periódicos de província); lorde Beaverbrook («Daily Express», «Evening Standard», «Sunday Express» e dois jornais de província); lorde Camrose («Daily Telegraph» e «Financial Times»).

Depois vem o Kemsley Newspapers, com o «Daily Sketch», o «Suday Times» e treze jornais de província e vinte e dois periódicos.

Deve, porém, esclarecer-se que nos interior destes grupos, muitos dos jornais conseguiram conservar uma certa independência – como, por exemplo, o «Sunday Times» que, não obstante pertencer ao «trust» Kemsley é considerado fora das funções de órgão de partido.

Por outro lado, é preciso assinalar que há três grandes jornais fundamentalmente independentes e que, por isso mesmo, exercem sobre a opinião pública uma influência muito mais ponderável, porquanto não vai actuar em sectores partidários – e aqui está porque os 180 mil exemplares do «Times» têm uma influência superior á dos três milhões de exemplares do «Daily Express». Como o «Times», de resto, há, pelo menos, mais dois órgãos importantíssimos: o «News Chronicle» e o «Manchester Guardian», este provinciano.

Para bem compreender os textos que as agências telegráficas muitas vezes espalham pelo estrangeiro, reflectindo opiniões escritas em jornais ingleses, vale a pena, talvez, desfiar um pouco a meada dos interesses políticos que esses jornais representam, mesmo quando não são órgãos de partido.

Assim, o «Times» é considerado conservador. Mas como não é órgão da política, foi o primeiro a censurar, embora moderadamente, os excessos palavrosos do sr. Churchill, líder do partido conservador. Por outro lado, com este velho jornal – o mais velho em Inglaterra que, em 1944, tirou em média 178 mil exemplares – dá-se uma circunstância curiosa: não estando ligado á política do «Foreign Office», embora muitas vezes seja empregado como balão de ensaio, sem que tal implique com dependência – o «Times» tem maior influência no estrangeiro do que na Inglaterra.

Para defender o «Times» de influências estranhas á sua independência, está atenta uma comissão de controle de que fazem parte o arcebispo de Cantuária, o chanceler da universidade de Oxford e, ainda, outras personalidades que não pertencem aos meios políticos, nem aos meios jornalísticos, afim de evitar o escândalo de 1917 – quando o «Times» foi controlado pelo «Daily Mail» e vendido ao preço de um “penny, o que não bastava apra assegurar a sua autonomia financeira...

Para ilustrar o grau da sua influência na política estrangeira, citam-se apensa três datas: em 1938, foi o «Times» que propôs Munique, em 1942, advogou a amizade anglo-soviética e, em 1944, pôs-se ao lado da França.

O «News Chronicle», independente, aproxima-se dos trabalhistas e é sempre um órgão liberal. Tira 1.300.000 exemplares e é lido, principalmente, pelos comerciantes – talvez porque o seu proprietário, Cadbury, é fabricante de excelentes chocolates.

O «Daily Herald», órgão do partido trabalhista, tira qualquer coisa como 1.700.000 exemplares – mas não tem influência fora do partido. É um jornal “familiar”, há quem o considere, cínico, talvez para se vingar do redactor-chefe, que é filho de um antigo mineiro do País de Gales...

O «Daily Telegraph» é o órgão do parido conservador. Tira 700 mil exemplares e a má língua e os mal intencionados afiançam que só é lido por quem não tem inteligência para “atingir” os artigos substanciosos do «Times»...

O «Daily Mirror», com os seus dois milhões de exemplares, é o jornal das fotos. Então, os tendenciosos – o jornal não tem tendências – dizem que ele é para os que não sabem ler nem gostam de pensar...

O «Daily Express», que tira 2.800.000 exemplares, é muito bem feito, mas vive, principalmente, das caricaturas de Low. Diz-se que, certa vez que o caricaturista esteve três meses sem enviar a sua colaboração o jornal baixou espantosamente a sua tiragem. Porquê, então o êxito? Em grande parte, porque Low, em geral, atinge lorde Beaverbrook, o dono do jornal...

As histórias que andam ligadas á actividade da imprensa inglesa encheriam algumas páginas de má-língua. Mas, é preciso compreender: a Inglaterra tem alto nível de vida e não há pobre que não compre três ou quatro jornais por dia – fora as revistas da especialidade...

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