13 outubro 2020

AS LEITURAS DA JORNALISTA

Quiseram os algoritmos da inteligência artificial do facebook que eu tivesse chegado à página de uma das jornalistas que se destacou pelo jornalismo de opinião. E, por esta vez, o autor deste blogue, onde impera o escárnio e imenso mal dizer, como as cantigas medievais de outrora, faz aqui um compasso, para registar o agrado como encontrou um dos livros das leituras da jornalista Ana Sá Lopes. Diga-se, de antemão, que sempre tem sido para mim um mistério o que qualifica aquela classe de jornalistas - de opinião - para o serem, para além do facto de escreverem normalmente bem. Mas a opinião, ou melhor, assumirem-se como a melhor opinião, pressupõe outros predicados que não apenas a nota artística - para a distinguir da nota técnica, como acontece com os patinadores do gelo. Ora sobre essa nota técnica, em que alicerces se fundam as opiniões que vamos lendo, os resultados, quando não são omissos, são desoladores. Costumam ser, com muita frequência, a opinião do gajo do café, só que o gajo do café sabe escrever bem. Descobrir, no caso, Ana Sá Lopes a ler esta biografia de Clement Attlee (publicada em 2016) foi uma agradabilíssima surpresa. É uma salutar diferença da prática dos seus colegas opinion makers e daqueles que o ambicionam ser - influencers - nas redes sociais, que normalmente ou confessam estar a ler o que está a bombar e na moda (por exemplo este Cavaco Silva não quer ser esquecido), ou então qualquer outra coisa que consideram sofisticado porque antigo e rebuscado (estar a ler Da Democracia na América, de Alexis de Tocqueville de 1835, é um excelente exemplo dessa atitude - experimente-se e descobrir-se-á que aquilo é soporífero demais para ser lido com gosto...). Pois bem, a biografia de Clemente Attlee é completamente diferente dessas duas versões. É recente. O biografado nem sequer é daqueles que todos têm curiosidade de ler uma biografia, como serão os casos de Churchill ou de Lenine (e por isso as há, às mãos cheias, biografias destes últimos). E, por outro lado, para além do que revela a escolha do protagonista, há também aquilo que ele representou politicamente. O trabalhismo britânico vive tempos difíceis de identidade, depois de Tony Blair ter passado por (1994-2007). A Terceira Via de Anhony Guiddens revelou-se, depois de passada a moda, num verdadeiro beco sem saída ideológico. Retroceder e ir à procura nas origens do trabalhismo no poder e de outro sentido de missão da esquerda democrática também demonstra uma curiosidade intelectual da jornalista que se regista elogiosamente. Em terceiro lugar, e como certificado adicional de confiança, percebe-se que o livro esteve a ser lido a compasso, com as entradas a seu respeito a aparecerem intercaladas (25 de Agosto, 21 de Setembro, 7 de Outubro), ao contrário dos vultos da nossos intelectualidade que se reclamam capazes de despachar muitos livros, ao mesmo tempo, e a velocidades de leitura estonteantes. Mesmo e sobretudo se escritos em estrangeiro, como é o caso desta biografia de Clement Attlee. Por tudo isto, as eventuais discordâncias que eu possa ter com Ana Sá Lopes a respeito da pessoa e da carreira de Clement Attlee podem classificar-se disso mesmo, discordâncias, já que ambas se alicerçam nas mesmas leituras. Nos tempos que correm, nunca é demais enfatizar a diferença entre uma opinião - que, como um olho do cu, todos têm - e uma opinião. É inegável que vou passar a prestar muito mais atenção ao que Ana Sá Lopes escreve. (Acima, as fotografias publicadas pela jornalista no seu facebook são as da capa, da página 247 e do verso da capa da biografia de Attlee).

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