23 outubro 2020

E NÃO SERÁ QUE A PERGUNTA ABAIXO É UMA PERGUNTA MENTIROSA?...

A expressão «pergunta mentirosa», recordemo-lo, entrou no léxico dos portugueses (conjuntamente com o «é proibido, mas pode-se fazer!») quando Ricardo Araújo Pereira fez aquela paródia ao vídeo do nosso actual presidente em prol do voto não, aquando do referendo do aborto em 2007. Reconheça-se que é um conceito engraçado, o do reconhecimento de que a forma como está redigida uma pergunta condiciona a discussão que se possa ter sobre o assunto a respeito do qual ela é formulada. A pergunta a montante da que é formulada é outra, e mais importante: será que há mesmo em Portugal 4.200 profissionais de saúde desempregados e disponíveis para contratar? É que aquilo que tenho lido de mais sólido e consistente a respeito dessa questão, nomeadamente no que concerne aos médicos, é que uma grande maioria dessas pretensas contratações representam, de facto, meras formalizações de lugares já ocupados. E sempre que alguém enfatiza que o discurso das contratações não passa de um logro, já que os recursos são sempre os mesmos, e que se trata apenas de operações de relações públicas, em que se finge aconchegar melhor o doente à cabeceira, destapando-lhe os pés ao fundo da cama, quando chegados à realidade, escrevia eu, segue-se um silêncio dos actores envolvidos - ministério, sindicatos e ordens (estes dois últimos são, aliás, basicamente a mesma coisa embora fingindo que não). Nenhum deles parece interessado em assentar a discussão do problema numa base real, por motivos diferentes que não quero aqui discutir. Porque embora considere toda a discussão sobre o tema uma palhaçada, respeito a coreografia, como aceito, por exemplo e embora não seja espectador, que haja peças de teatro para crianças. Agora o que não é preciso é que os jornalistas peguem numa dessas peças infantis e lhe tentem dar títulos pomposos, género «Tristão e Isolda», como acontece com a senhora do artigo do Público mais acima, que foi ouvir o senhor que é «investigador na área de Economia da Saúde». Porque, por tudo o que acima se escreveu, o problema não me parece que se coloque na existência ou não dos 100 milhões. O problema estará em encontrar - para contratar - 4.200 profissionais de saúde adicionais para reforçar as equipas médicas. A escassez é de meios humanos e esses, sabe-se, não se formam de um dia para o outro. Ou será que estou muito enganado, e, depois de seis meses de pandemia, ainda se descobrirá que há por aí uns bons milhares de médicos e enfermeiros subempregados a distribuir refeições no UberEats?... (Esta última pergunta também é um bom exemplo de uma pergunta mentirosa)

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