25 outubro 2020

AS KALASHNIKOVES DO TENENTE CORONEL PALMELA E DO COMANDANTE ROXO

Comecemos por apresentar o tenente-coronel Carlos Palmela, comandante do batalhão de Caçadores 20 sediado em Vila Cabral em 1967-68 e que aparece do lado direito da fotografia acima, a falar com o seu oficial de operações naquele batalhão, o major Teixeira. O tenente-coronel Palmela foi o primeiro oficial português que me lembro - e ao vivo! - de ter visto a usar uma Kalashnikov (AK-47) como arma pessoal quando saía em operações para o mato. Confesso que o facto de a sua arma se distinguir facilmente (por causa do carregador curvo) da espingarda G-3, a que era usada por todos os restantes militares armados, conferia ao seu detentor um implícito ascendente reforçado sobre as tropas que comandava. Porque era diferente. Foi uma impressão que se formou e perdurou, até muitos anos mais tarde, quando, com outro entendimento e discernimento, um veterano do conflito me fez ver que, em termos práticos, aquela opção do tenente-coronel Palmela por uma arma que era também utilizada pelo inimigo, até não seria assim tão sensata. Com os confrontos e as trocas de tiros a terem lugar muitas vezes em situações confusas, em resultado de emboscadas, em regiões de densa vegetação, em que não se conseguem distinguir atiradores amigos de inimigos, usar uma arma que tem uma assinatura acústica idêntica às empregues pelo inimigo, é também correr o risco suplementar de se ver alvo do fogo dos do nosso lado. Afinal, descobri, andar armado com uma AK-47 naquelas circunstâncias, em que o resto da tropa usa G-3, é um adereço que tem vantagens, mas só até ao momento em que precisamos da arma para o seu propósito último: que é o de dar tiros... contra o inimigo. É tomando isso em conta que vale a pena falar de outra figura de Vila Cabral, muito mais famosa que o tenente-coronel Palmela.
Havia-me recordado desta história antiga e dos seus ensinamentos quando me deparei, há muito pouco tempo, com uma publicação numa rede social, em que se fazia um elogio rasgado ao comandante Roxo. Diga-se, desde já, que a patente de comandante é um expediente, já que Daniel Roxo, sendo uma das grandes figuras da Guerra em Moçambique, nunca esteve incorporado no exército português. É ele que aparece armado da mesma Kalashnikov em todas estas fotografias acima. E numa delas, aparece até, como recordava o tenente-coronel Palmela, armado com a sua AK-47 em contraste com as G-3 dos seus soldados. (o batalhão comandado por Palmela também era de recrutamento local e, por causa isso, também era constituído, à mesma, predominantemente por tropas africanas). Noutra fotografia, aparece a apontá-la, como se tivesse a fazer fogo. Numa terceira, é o único elemento dos seis da foto que está armado. E na última, parece exibir a AK-47 como se fosse uma ferramenta de trabalho, como que em contraponto à máquina fotográfica de quem abraça. Eu não sei se a fama que lhe atribuem como combatente será totalmente merecida, se a AK-47 lhe dava assim tanto jeito nos momentos em que teve de se defrontar com a guerrilha da Frelimo, se ele merecerá todos os elogios que lhe endereçam ainda agora todos aqueles nostálgicos do Império, nostálgicos esses que ainda hoje se recusam a perceber porque Portugal teve de sair de África, mas constato que no domínio da fotogenia o comandante Roxo era muito bom. E a fotogenia, vim eu a descobrir vários anos depois de me explicarem a impropriedade do uso de uma AK-47 nas circunstâncias em Daniel Roxo a empregava, é muito mais importante para o robustecimento de uma reputação de herói do que os outros predicados que se esperam dos grandes guerreiros. Creio já aqui o ter demonstrado neste blogue, em casos tão díspares quanto os de Otto Skorzeny ou de Douglas MacArthur.

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