04 outubro 2020

UMA ANTECESSORA LONGÍNQUA DA AMAZON (à portuguesa...)

4 de Outubro de 1940. O discreto anúncio que destaquei de uma página interior do Diário de Lisboa daquele dia, dá mostra do empreendedorismo dos portugueses perante a nova situação internacional, num processo que, numa outra dimensão - colossal - iria estar na base da - também colossal - fortuna do sr. Jeff Bezos, do da Amazon. Há oitenta anos e com o continente europeu novamente confinado às regras do bloqueio continental, por força da indiscutível superioridade da Royal Navy, praticamente todo o comércio intercontinental, nomeadamente a importação de produtos tropicais para a Europa, estava condicionado. Produtos como o café, o chá ou o chocolate, entre outros, tornaram-se, naquela altura, preciosidades para os consumidores europeus. Portugal era uma das raras frinchas por onde o bloqueio podia ser transposto, e A Carioca, Lda., estabelecimento situado na Rua da Misericórdia, 9, chamava a atenção aos «senhores estrangeiros residentes em Portugal» que se «encarregava de enviar os seus magníficos cafés, chás e outros artigos para qualquer país». Mais alertava que «a casa», pioneira «neste tipo de expedições», tinha «um bem montado serviço de contrôle a-fim de que não haja um único extravio». Ainda agora podemos compreender o quão aborrecido é quando uma encomenda da Amazon se extravia... Agora imagine-se um cobiçadíssimo pacote de café naquele tempo... A Carioca, Lda., em conjunção com os estrangeiros que cá moravam e que podiam enviar encomendas para os seus familiares, aprestava-se para explorar um nicho de mercado que se iria revelar tão rentável quanto apreciado nos anos que se seguiriam, até quase ao final da guerra e até mesmo depois. Tanto assim que, vale a pena mencionar o caso de Hergé (abaixo), o desenhador belga de Tintin, que, não vivendo em Portugal, tinha a receber direitos cá, por causa da publicação das suas obras em português, e que preferia receber aquilo que lhe era devido em encomendas de géneros alimentares não perecíveis (café, chá, mas também conservas e outros enlatados), em vez de dinheiro. Uma encomenda dessas tinha muito mais valor e utilidade numa Bélgica ocupada onde vigorava o racionamento de bens alimentares. Porém, vale a pena rematar que, por causa da concorrência, A Carioca, Lda. nunca alcançou a dimensão da Amazon...

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