26 janeiro 2020

A INVASÃO DE CAMPO

26 de Janeiro de 1970. O país informativo era dominado pelos acontecimentos da bola do Domingo precedente. Algo acontecera de inusitado. Disputara-se um derby no estádio da Luz, o Benfica - Belenenses, e o jogo não chegara ao fim. Os relatos do jogo descrevem-no feio, cheio de distribuição de pancada entre os jogadores e um resultado condizente (0-0), mas o que o tornou memorável foi o facto do árbitro se ter atrevido a expulsar primeiro um (aos 35 minutos de jogo) e depois outro jogador benfiquista, aos 43 minutos da primeira parte. Ora essa decisão parece ter violado algumas das regras subentendidas do futebol português, nomeadamente a que postula que as arbitragens dos jogos dos grandes clubes, quando jogam nos seus campos, têm que ser descaradamente caseiras. Por exemplo, um penalti contra o Benfica na Luz tem que ser uma decisão muito amadurecida pelo árbitro; e dois penaltis contra o Benfica num mesmo jogo, só mesmo por conta e risco do juiz da partida. O mesmo princípio se aplica às expulsões. Onde é que já se viu o Benfica estar reduzido a nove jogadores ainda antes do fim da primeira parte e, ainda por cima, com o jogo empatado? As justíssimas indignações dos adeptos benfiquistas concretizaram-se numa invasão de campo com intenções por definir mas que o árbitro (naturalmente) não quis esclarecer no local, tendo fugido a correr para os balneários com o auxílio de alguns jogadores. O jogo ficou suspenso e o árbitro recusou-se terminantemente a reatá-lo, tal o susto e a falta de condições de segurança. E é assim que chegamos à edição dos jornais do dia seguinte (acima), onde a história, que já era conhecida do dia anterior, é recontada mas realçando o aspecto humano do árbitro, João Nogueira de seu nome, que não é nenhum demónio malfazejo contra o Benfica, antes um homem de 46 anos, casado com uma filha, morador em Setúbal e trabalhador na SECIL, além de ter um outro gancho por fora como angariador de seguros. E que apanhara o cagaço da sua vida por causa de um complemento de 750 escudos por jogo que muito jeito lhe faziam num ordenado de 3.600 por mês. Socialmente, no dia seguinte, a atitude era a de condenação dos excessos da plebe, mostrando que são um disparate porque tudo não passa de futebol, que as vítimas das paixões também são, afinal, seres humanos. Quase ninguém se lembra do triste episódio, nem sequer das suas consequências: nessa temporada o Benfica teve o estádio interdito por oito jogos (abaixo). Agora os desafios interessantes: alguém se quer pôr a especular o que aconteceria se este mesmo episódio tivesse ocorrido agora? Haveria um tratamento contemporizador do assunto nos programas televisivos de paineleiros do dia seguinte? E será que o Conselho de Disciplina da FPF teria coragem de sancionar o Benfica tão severamente com oito jogos de interdição?

1 comentário:

  1. Os treinadores e os jogadores contratam-se e despedem-se ao sabor da populaça. E há grupos e clubes mais clubes e grupos que outros.

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