31 maio 2019

O TRATADO DE NÃO AGRESSÃO GERMANO DINAMARQUÊS

31 de Maio de 1939. A Dinamarca e a Alemanha assinam um Tratado de Não Agressão. No quadro de uma situação internacional cada vez mais exacerbada pelo expansionismo alemão, a Alemanha propusera-se firmar tratados daquele teor com os países do Norte da Europa para os tranquilizar: os três países da Escandinávia (Dinamarca, Noruega e Suécia), os três países Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) e ainda a Finlândia. A Suécia, a Noruega e a Finlândia recusaram-se, apenas a Dinamarca, conjuntamente com os estados bálticos, o fizeram. A parte alemã fê-lo com evidente má fé: menos de um ano transcorrido, a 9 de Abril de 1940, a Alemanha invadia e ocupava a Dinamarca, ocupação que perduraria até ao final da Guerra. A imagem acima foi recolhida de um filme de propaganda da época (1940), em que se recordavam as palavras diplomáticas hipócritas (passe a redundância...) que haviam sido proferidas pelo ministro Ribbentrop por ocasião da cerimonia de há oitenta anos: «Fica firmemente estabelecido manter a paz entre a Dinamarca e a Alemanha, sejam quais forem as circunstâncias». Foi o que se viu...

Sendo os factos o que são, trata-se de um daqueles casos flagrantes em que os acontecimentos posteriores desautorizaram de todo as boas intenções de quem defendeu esta assinatura do lado dinamarquês, em contraponto, aliás, com a opção que foi feita pelos outros parceiros escandinavos, mais desconfiados. Foi uma asneira política indesculpável. Embora se consigam arranjar desculpas - arranjam-se sempre... - para ela. Os dinamarqueses não são muito expansivos, não gostam - ninguém gosta... - de ter feito triste figura de si próprios, e também não gostam que outros discutam estes episódios mais controversos da sua história (e outros episódios não tão históricos também não). A Dinamarca criou um discurso sobre a sua conduta durante a Segunda Guerra Mundial mas este episódio, especificamente, parece ter-se tornado tabu. Consultem-se as edições de hoje dos dois jornais dinamarqueses de maior circulação (Politiken e Berlingske) e a efeméride não é para ser mencionada sequer.

30 maio 2019

O RIDÍCULO EM POLÍTICA E A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA LUSITANA DE RECENSEAMENTO ELEITORAL

O maior fenómeno do ridículo em política são aquelas eleições unânimes. O Comunismo colapsou e, mesmo assim, continuou a haver eleições em que a expressão se aproxima, e chega mesmo a ultrapassar, os 99% dos votos. O artigo acima do lado esquerdo, publicado há uns cinco anos, relembra-nos alguns casos mais conhecidos, como sejam os da Coreia do Norte (99,9%), Cuba (99,4%) ou da Síria (97,6%). Trata-se de um fenómeno típico das ditaduras (obviamente!), mas não é apenas o lado político da questão. Há ditaduras fundadas em maiorias permanentemente forjadas de 60 e 75% dos votos. Chega-lhes a maioria absoluta (exemplo: a ditadura militar brasileira). Mas nestes outros casos, há uma perspectiva sociológica que acompanha aquela desfaçatez de publicar resultados que são tão constrangedores quanto inverosímeis, e conviver alegremente com isso, como se o medo da autoridade fosse superior ao medo do ridículo. Ou então é mesmo a indiferença ao ridículo, como se num determinado país do Mundo fosse moda os homens passearem-se com as cuecas por cima das calças e todos os habitantes de Pyongyang se vestissem assim, desconhecedores de que, no resto do Mundo, a moda era outra...

Que me desculpem a extensão do preâmbulo, mas precisava dele para explicar a minha perplexidade com o que de há muitos anos para cá tem vindo a acontecer com os recenseamentos eleitorais em Portugal e que nestas últimas eleições europeias teve um pináculo que exibo na figura acima, do lado direito: a afluência às urnas dos eleitores inscritos no estrangeiro: 0,96%! É um resultado tão ridículo quanto os 100% alcançados pelo Saddam Hussein da fotografia do lado. Neste último caso votaram todos, mesmo aqueles que não quisessem, no nosso caso, atribuímos-lhes direito de voto, mesmo aos emigrantes que o não quisessem. E, ostensivamente, eles mostraram-nos que não queriam. Correu mal: taxas de participação eleitoral abaixo de 1% são uma vergonha! Há mais de vinte anos que se sabe que os cadernos eleitorais estão viciados; estima-se por quanto, sabe-se onde e sabe-se porquê. E também se sabe que, para que o direito a votar readquira o seu valor e não se transforme num direito em saldo que se despreza, como agora aconteceu com os emigrantes, se impõe realizar um novo recenseamento eleitoral de raiz. Para que não sejamos o outro lado da piada da reeleição de um ditadorzeco de uma qualquer antiga república soviética.

AS ELEIÇÕES GERAIS BRITÂNICAS DE 1929 E A PRIMEIRA VITÓRIA DOS TRABALHISTAS

30 de Maio de 1929. O partido trabalhista vence, pela primeira vez, as eleições para a Câmara dos Comuns. Vence, mas não convence. Elegendo 287 deputados em 615, os trabalhistas não conseguem alcançar a maioria absoluta de lugares que confere a tradicional robustez aos governos britânicos. Mais do que isso, agregando 8.050.000 votos, os trabalhistas recolhem menos 200.000 votos que os conservadores derrotados - que elegeram 260 deputados. O equilíbrio da situação política repousa na mão dos liberais, com 5.100.000 votos e 59 lugares. O futuro governo iria desfrutar de um período de graça de cerca de seis meses, até à eclosão do crash bolsista de Outubro de 1929, que se iria transformar numa crise mundial. Há noventa anos, os sarilhos estavam guardados para o futuro. Hoje, os sarilhos são a actualidade da situação política britânica, numa outra situação em que a importância das formações políticas tradicionais naquele país se arrisca a mudar significativamente em próximas eleições.

29 maio 2019

A FRANÇA «ETERNA» E O QUE DE PROFUNDO SE PODIA ESCREVER A SEU RESPEITO

29 de Maio de 1969. Para que os seus leitores pudessem acompanhar melhor a actualidade política francesa, que se preparava para a primeira volta das eleições presidenciais provocadas pela demissão do general de Gaulle, o Diário de Lisboa publicava um pequeno resumo recapitulativo dos principais partidos políticos franceses. Um exercício que, visto a esta distância de 50 anos, se torna engraçado, já que, de todas as formações ali nomeadas, e tomando em consideração os resultados das eleições europeias do passado fim de semana, apenas os partidos socialista (6,2%) e comunista (2,5%) subsistem (e com votações irrisórias). Aliás, estes cinquenta anos mostraram-nos o quanto se tornou uma tradição da direita francesa mudar de designação com frequência, como se fosse dirigida pelo pessoal do departamento de marketing de uma marca de refrigerantes ou de gelados. Mas nem tudo terá mudado tão radicalmente nestes cinquenta anos: numa outra página da mesma edição do jornal aparecia este texto abaixo, tradução de um original do Le Monde, assinado por Maurice Duverger e que cansava o leitor só de olhar para ele, pela densidade. Hoje denominá-lo-íamos de wall of text. No entanto, o título mostrava-se apelativo e chamava a atenção para uma questão pouco enfatizada: a de que o candidato Alain Poher representava a direita francesa que não se revia de todo no legado do general. Era uma abordagem que perturbava as tradicionais classificações esquerda/direita. Assim apresentado, o assunto e, sobretudo, o formato, eram demais para aquilo que o leitor mediano do jornal pretenderiam, embora peças densas como aquela prestigiassem as páginas das publicações que as acolhiam. Hoje o formato está aligeirado: convida-se o Pedro Adão e Silva para nos explicar o que é que o Maurice Duverger quer dizer com aquilo... ou então o Miguel Sousa Tavares ou a Manuela Moura Guedes, que é a mesma opção da anterior, só que comprada na loja dos chineses.

28 maio 2019

NAÇÃO MULTIRRACIAL, EMBORA TIVESSE DEIXADO DE QUERER SER PLURICONTINENTAL

A fotografia tem um pouco mais de um mês, é da autoria da Lusa e  mostra o momento em que a ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunen cumprimenta o seu homólogo angolano, Francisco Queirós, por ocasião da visita que a primeira estava a realizar a Angola. E é só a correcção política (que inibe as pessoas de dizer aquilo que é óbvio, apenas pelo receio de serem crismadas de racistas) que impedirá o comentário evidente, constatando que, naquela ocasião, a mais escura era a ministra portuguesa. Se o Botas, e mesmo Marcello Caetano, regressassem do outro mundo para a ocasião, desconfio que não se sentissem particularmente confortáveis, apesar daqueles slogans integracionistas a que associamos as políticas coloniais do Estado Novo. É que a Nação Multirracial não era para ser entendida abarcando os cargos de topo da hierarquia do Estado...
Mas também vale a pena ver a História do outro lado. Num episódio da Segunda Guerra Mundial que ocorria em Maio de 1940, lembro-me de ler um historiador francês a recuperar um episódio da invasão de França pelos alemães, em que ele invocava o facto de que a primeira companhia do regimento Grossdeutschland a realizar o assalto a Sedan era comandada pelo capitão Von Courbiére, «que estaria do outro lado se Luís XIV não tivesse revogado o Edicto de Nantes» (1685). Pois bem, conhecendo a ascendência angolana de Francisca Van Dunen, também se pode especular que, tivesse tido Angola uma outra história de respeito pelos direitos humanos, ela talvez fosse a pessoa do outro lado na fotografia acima.

27 maio 2019

A PRIMEIRA TRAVESSIA AÉREA DO ATLÂNTICO

27 de Maio de 1919 e continuando a dedicar a nossa atenção a centenários da aviação, embora este seja bastante mais bem sucedido do que o anterior. O hidroavião NC-4 da Marinha dos Estados Unidos, a bonita banheira alada que se pode apreciar na fotografia acima, e que está hoje exposta num museu da Florida, completa a sua primeira viagem transatlântica com escalas. Esta foi uma façanha que deveria dizer alguma coisa aos portugueses, já que o término da viagem que hoje se assinala, ocorreu precisamente em Lisboa (veja-se a foto final), tendo também os Açores desempenhado um papel importante no seu sucesso.
A viagem havia-se iniciado - pela menos na sua fase verdadeiramente transatlântica - em 16 de Maio e a expedição era originalmente composta por três hidroaviões, baptizados com os poucos poéticos nomes de NC-1, NC-3 e NC-4 (o NC-2 fora desmontado e posto de reserva para fornecer peças de substituição). Mas, mais importante que a frota voadora era a frota clássica que apoiava a expedição: nada menos que 21 navios de guerra dos Estados Unidos estavam estacionados ao longo do percurso previsto do voo (veja-se esquema abaixo), separados por intervalos de cerca de 100 km, para acorrer às tripulações em caso de emergência.
Nesses tempos em que a falta de fiabilidade do material era uma premissa, esse cuidadoso colar de assistência revelava-se uma precaução assisada: à chegada da expedição à Horta no Faial, depois de mais de 15 horas de voo, constatou-se que só um dos hidroaviões (o NC-4) se mostrava em condições de prosseguir viagem. E mesmo assim, não por muito tempo: a segunda parte da viagem, prevista para 20 de Maio, acabou por não se concretizar por problemas nos motores, e o último sobrevivente da expedição apenas voou da Horta até Ponta Delgada (240 km), onde depois teve que ficar à espera que a assistência, que vinha atrás de si a vapor, o reparasse.
A última ligação só se reatou a 27 de Maio, e o voo de Ponta Delgada até Lisboa foi monitorizado por 13 navios dispostos ao longo do percurso, tendo durado 9 horas e ¾ até que a banheira viesse aterrar nas águas do Tejo. A viagem durara 11 dias mas o tempo de voo acumulado fora de 26 horas e ¾. A valia destas proezas tem, contudo, um lado objectivo e outro subjectivo: e em 1919 o interesse em destacar proezas que simbolizassem a aproximação entre a Europa e a América era nulo. Aquele mesmo Tejo que, há precisamente cem anos, via chegar por entre uma indiferença ostensiva, os americanos que haviam completado - é verdade que recorrendo a meios muito para além das nossas possibilidades... - a primeira travessia aérea do Atlântico Norte, verá dali por três anos, não apenas a partida, mas depois todas as incontáveis celebrações, da primeira travessia aérea do Atlântico Sul, essa protagonizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

26 maio 2019

O PRIMEIRO E ÚLTIMO VOO DO «TARRANT TABOR»

O Tarrant Tabor foi um triplano britânico que fora inicialmente concebido como um bombardeiro de longo alcance, ainda durante a Primeira Guerra Mundial. Quando o conflito terminou, o projecto ainda não passara à fase de ensaios. Só a 26 de Maio de 1919, há precisamente cem anos, a ocasião se prestou para que aquele que era então o maior avião do mundo (com seis motores(!): quatro no rés do chão e dois suplementares no primeiro andar) realizasse o seu voo inaugural. Não foi um grande voo: quando a aeronave se aprestava para descolar e os pilotos accionaram os dois motores superiores para que o avião adquirisse velocidade adicional, o avião, em vez de acelerar, afocinhou em direcção ao solo. Os ensaios estáticos em túneis de vento - que então não se praticavam - teriam demonstrado que o avião tinha tendência para assumir esse comportamento quando todos os motores estivessem em funcionamento. Em vez disso, temia-se - empiricamente! - o contrário e por isso o avião fora lastrado com mil libras de chumbo (450 kg) junto à carlinga! Com tudo isso, detectou-se o defeito da aeronave da pior maneira possível. Tecnicamente tratou-se de um voo porque o avião esteve momentaneamente no ar, mas os dois pilotos (Dunn e Rawlings) acabaram por vir a falecer dos ferimentos recebidos com o embate, enquanto o Tarrant Tabor entrou nos anais da história da aviação como um dos aviões mais mal paridos de sempre, um candidato ao prémio do Tijolo com Asas. Desnecessário dizer que o projecto foi completamente abandonado. 

A ESTREIA DO ZIP-ZIP

26 de Maio de 1969. Estreia do Zip-Zip na RTP. O programa virá a constituir um grande sucesso de audiências*, um símbolo da evolução da estética televisiva e também um reflexo das possibilidades criativas geradas pela chegada de Marcello Caetano ao poder. Recupera-se abaixo uma passagem de um dos programas que parece precisamente apropriado ao dia de hoje, em que Raul Solnado (já falecido) interpreta um gag em que se imagina a celebrar o cinquentenário do programa!

* Audiências essas que estavam naturalmente limitadas pelo facto de, em finais de 1968, haver uma televisão para cada 25 habitantes...

23 maio 2019

UM ELOGIO A JOSÉ MANUEL FERNANDES

Se houvesse equidade, justiça e reconhecimento pelo mérito, a evocação do nome José Manuel Fernandes devia fazer-nos pensar num político (do PSD), actualmente a cumprir funções como eurodeputado, onde, por sinal, aparece muito bem classificado no desempenho dessas funções (acima, à esquerda). Mas não. Aquele a quem mais facilmente associamos a esse nome, um seu homónimo, é um outro político (posicionado muito mais à direita do PSD), que se tem notabilizado por pretender ser aquilo que não é: jornalista (não me lembro de lhe ter lido nada que eu considerasse ter sido escrito com um mínimo de objectividade).

E nem mesmo esta oportunidade da campanha eleitoral para as eleições para o parlamento europeu parece poder servir de catalisador para o aparecimento do primeiro dos Josés Manueis Fernandes. Se demos por ele nestas últimas semanas, foi apenas porque foi trazido para uma discussão por um dos seus rivais, Nuno Melo do CDS, quando este último se defendia das acusações de estar no último terço da classificação dos eurodeputados naquele tal sistema de ranking que destaca o eurodeputado do PSD. Ou seja se, como eurodeputado e através do algoritmo do ranking, se percebe que Nuno Melo não é grande espingarda naquelas funções, por causa deste despeito invejoso e mesmo não se use qualquer algoritmo, percebe-se que homem do CDS é uma pessoa mal formada.

Por falar nisso, e regressando ao José Manuel Fernandes, o outro, aquele a quem, pelo menos no seu jornal, se dá atenção imerecida, quão interessante seria que alguém se dispusesse também a estabelecer um algoritmo que comparasse o desempenho, não dos eurodeputados, mas dos políticos-que-andam-por-aí-pretendendo-que-fazem-outras-coisas-para-não-irem-a-votos... Tenho a certeza que seria um sistema complexo, mas tenho uma certeza ainda mais certa de que haveria uma quase unanimidade dos visados em contestar destrutivamente qualquer que fosse o processo de classificação - de António Barreto a Raquel Varela. Na sua relutância às avaliações, Mário Nogueira é muito maior do que ele e a classe dos professores: é uma ideia entranhada na nossa sociedade, como ele e, já agora!, Paulo Rangel o evidenciam há anos, apreciem-se os títulos dos artigos abaixo.

A VOZ DE MICKEY MOUSE


23 de Maio de 1929. Estreia (nos Estados Unidos) da curta-metragem The Karnival Kid, o oitavo filme protagonizado pelo Rato Mickey. Tem a particularidade de ser o primeiro em que se ouve a sua voz - a anunciar hot dogs! Hoje o filme é apenas uma curiosidade para cinéfilos. Quem se dispuser a ver nem que seja um trecho da história há-de concluir que todas estas produções estão muito longe de ser obras primas intemporais. Aqui nota-se, como seria de esperar, que os padrões de gosto evoluíram muito em noventa anos.

22 maio 2019

SALAZAR E A EUROPA

22 de Maio de 1939. A propósito de uma planeada viagem presidencial às várias colónias africanas, ocasião em que o presidente Óscar Carmona e a sua comitiva iriam tocar portos sul-africanos e assim um país estrangeiro, a Assembleia Nacional reuniu-se para produzir a necessária autorização constitucional e também pretexto para o presidente do Conselho apresentar um discurso sobre política externa, que se veio a revelar um elaborado exercício de equilíbrio entre o tradicional vector marítimo, consubstanciado na aliança luso-britânica e a parceria ibérica, forjada no apoio ao regime franquista, recém vencedor da sua guerra civil. A visita era a África, mas o discurso concentrou-se na Europa. Estranhamente, para um discurso desta importância, para mais quando proferido por alguém (Salazar) não muito propenso a discursos públicos, o quórum dos deputados presentes era estranhamente baixo: apenas 73 em 90 (81%). A legitimidade política dos deputados também não era assim muito elevada...
E, contudo, a importância do tópico da política externa, assim como a seriedade da evolução da situação internacional, mormente na Europa, justificava-se por si mesma: naquele mesmo dia, em Berlim, a Alemanha e a Itália formalizavam a sua aliança, que pomposamente vieram a designar por Pacto de Aço. Repare-se abaixo como a notícia é introduzida no mesmo Diário de Lisboa do dia: «O Bloco dos Países Totalitários», excluindo-nos desse grupo. Eu não me canso de chamar a atenção para que os regimes nacionalistas autoritários de direita e extrema direita, pela sua própria natureza, não funcionam de forma concertada, antes rivalizam entre si. A Alemanha nazi começou a Segunda Guerra Mundial invadindo uma Polónia que tinha um regime desses, autoritário; depois, a Itália fascista fez precisamente o mesmo com a Grécia. As notícias que se publicam por aí sobre alianças das extremas-direitas europeias podem concitar as atenções do leitor, mas, descontando o dinheiro russo que as financiará a todas e talvez o guru da moda, Steve Bannon, pouco mais haverá a uni-las, no dia em que tiverem responsabilidades executivas...

QUEM É QUE ANDA(VA) A LIQUIDAR OS GENERAIS SOVIÉTICOS?

22 de Maio de 1969. Há cinquenta anos, um daqueles mistérios bem ao jeito da Guerra Fria que então se vivia. Quem andaria a liquidar os generais soviéticos? Os jornalistas ocidentais haviam-se dedicado a seguir o obituário do jornal Estrela Vermelha, órgão oficial das forças armadas da União Soviética e acreditavam ter-se deparado com uma anomalia, no ritmo dos falecimentos dos oficiais generais. Naquele dia, assinalava-se a morte de mais um, o 17º óbito desde 10 de Abril, e a recorrência dos episódios já puxara o fenómeno para a primeira página das edições. Haveria algum James Bond nazi a trabalhar o caso, liquidando velhinhos russos de porte marcial, ou tratar-se-ia de um expediente dos comunistas, esses malvados, a porem o Estado a poupar nas pensões de velhice mais caras?...

Nada disso. Naquele ano, haviam-se registado (e virão a verificar-se) as mortes de antigos generais soviéticos que haviam adquirido alguma notoriedade durante a Segunda Guerra Mundial (1), (2), (3) e a imprensa ocidental interessara-se pelo assunto. Ora, durante o conflito, o Exército Vermelho tivera um efectivo de mais de dez milhões de soldados e, por isso, seria natural que restassem muitos milhares de oficiais generais reformados, então com idades avançadas. Naquela boa maneira superficial como o jornalismo trata os assuntos, as notícias iniciais acabam por alimentar o interesse de mais notícias do mesmo género, sem cuidar de perceber o que seria normal e o que seria anómalo. É que, não eram apenas os generais soviéticos, veteranos da Segunda Guerra Mundial, que estavam a morrer: a 28 de Março de 1969, menos de dois meses antes, morrera Dwight D. Eisenhower...

O fenómeno noticioso desapareceu misteriosamente, tal qual aparecera. Mas está sempre a ressurgir porque o jornalismo não tem nenhum incentivo para aprender com os erros destes. O tópico é que varia. Um dos mais frequentes e reconhecíveis da actualidade são os automóveis que entram em contramão nas auto-estradas, normalmente conduzidos por idosos. Normalmente quando aparece uma notícia dessas, normalmente porque a asneira por uma vez provoca vítimas, segue-se-lhe um comboio delas, iguais ou muito semelhantes, sem cuidarem de nos esclarecer qual a sua frequência normal do fenómeno.

21 maio 2019

AS «JUSTAS LUTAS DOS TRABALHADORES» FERROVIÁRIOS DE BERLIM

Comece-se por se esclarecer que a expressão "justa luta dos trabalhadores" é uma daquelas cassetes clássicas dos comunistas portugueses. No seu dialecto, é inconcebível conceber que os trabalhadores travem uma luta injusta. Mas é precisamente porque a teologia é assim tão rígida que a argumentação entra em colapso quando os trabalhadores se viram contra patrões comunistas. É como se fosse uma espécie de curto-circuito no quadro eléctrico das certezas do marxismo-leninismo. Berlim, a 21 de Maio de 1949 era uma cidade politicamente dividida, cujo sector ocidental fora submetida aliás a um bloqueio que terminara há apenas nove dias. Mas em muitos outros aspectos (como o saneamento ou os transportes), Berlim funcionava como uma estrutura integrada, submetida à supervisão das quatro potências ocupantes. E há precisamente 70 anos essas autoridades viam-se a braços com uma greve dos 14.000 ferroviários de Berlim, greve essa que interrompeu completamente os ligações suburbanas usadas por 750.000 berlinenses para vir trabalhar. Mais do que isso e como se lê na notícia acima do Diário de Lisboa, os grevistas elegeram como inimigo principal as autoridades soviéticas e os seus agentes de Leste: o delegado soviético, o general Kvashnin, foi surpreendido numa das suas visitas e correu perigo de ser maltratado pelos grevistas. Por detrás da hostilidade generalizada para com todos os russos, acrescia, neste caso, o facto de que os fura-greves amarelos agiam em nome de Marx e Engels, Lenine e Estaline. Contudo, o motivo que explica a justeza da luta dos trabalhadores só aparece no final do artigo: os ferroviários queriam ser pagos em marcos ocidentais (DEM) e não na depreciada (e pouco apreciada...) moeda (também chamada marco) da zona oriental. A supremacia financeira do capitalismo desconstruía a superioridade científica da explicações dialécticas quanto aos interesses de classe dos trabalhadores. E, diante de tudo isto, as autoridades aliadas ocidentais (norte-americanas, britânicas e francesas), que haviam saído do sufoco de uma situação de bloqueio aos seus sectores da cidade, assumiam agora uma quietude não desprovida de ironia - haviam conseguido passar a ideia que quem criara o problema haviam sido os soviéticos e que era a eles que competia resolvê-lo (a fotografia é de soldados franceses guardando a estação de Gesundbrunnen).
Adiante-se que a greve se prolongou por semanas, a batata assando nas mãos dos soviéticos. Os ferroviários berlinenses não se queriam contentar por nada menos que 100% dos seus ordenados pagos em marcos ocidentais. E o outro aspecto importante era acautelarem-se contra as retaliações soviéticas. A greve só acabou em 28 de Junho. Os soviéticos cederam. Foi uma grande conquista do povo trabalhador. Não sei se o pessoal que escreve no Avante! conhece esta história ou, conhecendo-a, desconfio que não lhe apetecerá particularmente evocá-la.

20 maio 2019

O IMPASSE DA PRAÇA TIANANMEN

Pequim, 20 de Maio de 1989. Persistia o impasse que se instalara na Praça Tiananmen, ocupada desde meados de Abril pelos estudantes reclamando a abertura do regime. Ocupando-a sob os olhares da comunicação social de todo o resto do Mundo, e tendo por contraponto a alardeada benignidade de Mikhail Gorbachev e as reformas por si empreendidas na rival União Soviética, as autoridades da República Popular China pisavam um terreno delicado na forma como responder a um desafio à sua autoridade. Neste dia de há trinta anos, numa daquelas cautelosas movimentações mais simbólicas do que concretas em que a política chinesa é especialista, Deng Xiaoping, o verdadeiro poder na China, afastou Zhao Ziang, o secretário-geral do Partido Comunista, e conferiu a proeminência a Li Peng, o primeiro-ministro que foi encarregue de aparecer na televisão anunciando a instauração da lei marcial. De uma forma rebuscada, tipicamente chinesa, a lei marcial era para ser proclamada mas não era bem para ser implementada de imediato, como se veio a perceber pela evolução posterior dos acontecimentos. Repare-se na notícia acima, e naquele título intercalar e sentimental referindo-se a «Soldados "lavados em lágrimas"», tudo o que acontecera até ali apresentava-se como uma contrariedade. Mas, já então, as cadeias de televisão norte-americanas possuíam uma gramática muito própria de cobrir os acontecimentos, que nunca incluiu a leitura dos ensinamentos de Sun Tzu. Vai daí, cadeias como a CBS interrompiam amiúde a sua programação regular para transmitir... irrelevâncias. No caso desta proclamação da lei marcial até estava a dar o folhetim Dallas (abaixo). E no entanto, e passe o paradoxo, tanta atenção dispensada ao que acontecia naquela praça não era afinal irrelevante, pois a presença da comunicação social internacional era um factor de dissuasão da intenção das autoridades chinesas em encerrar a questão.

19 maio 2019

A PARADA DA VITÓRIA DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA

Madrid, 19 de Maio de 1939. Francisco Franco preside à Parada da Vitória na Guerra Civil de Espanha. Um momento de nostalgia para um certo núcleo de espanhóis que actualmente, e através do partido Vox, recuperou um formato de expressão política de que terá estado privado nestes últimos quarenta anos. E estas paradas da vitória devem ser todas evocadas, e não só aquelas em que o desfecho da guerra foi simpático para as nossas convicções. Porque a falta de prática (e o Ocidente não tem participado em muitas guerras) tende a fazer-nos esquecer que a guerra, para além de ser uma continuação da política por outros meios (como a definiu Clausewitz), tende, pela sua própria natureza, a que se crie uma imagem diabolizada do inimigo, imagem essa que é muito difícil de modificar findo o conflito.

18 maio 2019

OH P'RA NÓS DISTRAÍDOS A OLHAR PARA AQUILO QUE NOS QUEREM FAZER VER

A fotografia acima é uma excelente metáfora do safari mediático que a comunicação social e alguns colunáveis da sociedade nos proporcionaram, a pretexto de Joe Berardo. Enquanto querem fazer com que as atenções se concentrarem na bicharada afastada (as condecorações que outrora lhe foram outorgadas), as questões realmente importantes (a colossal dívida de Berardo à banca e a forma como lhe permitiram que a dívida se constituísse) aparecem simbolizadas pelo leão dependurado na árvore próxima, aquele a que ninguém está a prestar atenção. E, esclareça-se, o bicho em causa não apareceu agora, já é conhecido de há algum tempo, para o provar atente-se a este cabeçalho abaixo do Correio da Manhã a caminho de completar vinte meses - e sabe-se como os cabeçalhos daquele jornal são reputados por chamar a atenção! Mas não este... O cortejo da comunicação social só de dispôs a arrancar quando outros mecanismos o desencadearam. Mecanismos que nunca compreendi como funcionam. Por outro lado, os sobressaltos cívicos de pessoas indignadas com o desplante da conduta de Joe Berardo, podiam ter levado a excessos... mas afinal os excessos que ocorreram foram na casa do árbitro indicado para o próximo Benfica - Santa Clara! É um estranho país em que até às próprias manifestações de falta de civismo são pouco cívicas - e não estou a falar de como se exprimem...

17 maio 2019

UMA QUESTÃO DE UM URSO MAS TAMBÉM A QUESTÃO DE NÃO FAZER FIGURA DE

Aqui há uns dias um urso espanhol teve a delicadeza de nos visitar, transformando-se instantaneamente numa atracção mediática efusivamente saudada por todos os amigos da natureza. Um urso tímido, mas guloso (veja-se a primeira notícia abaixo), que, como aquelas discretas estrelas de cinema de Hollywood em visita particular, regressam discretamente ao seu país sem sequer se deixarem fotografar. Este urso espanhol lambeu-se com os favos assim como o Harrison Ford de uma outra vez se tinha batido com um cabritinho no forno. E, no Observador de há uns dias, perdera-se o seu paradeiro.
Conforme se pode constatar através do mapa acima, publicado no El País de hoje, existem quatro distintas comunidades de ursos no país vizinho (essas, ao menos, não fazem perigar a consciência da unidade nacional de Espanha...). Mas o conteúdo da notícia devia-nos servir de alerta para o perigo potencial destes ursos que resolvem usufruir da liberdade de circulação do espaço Schengen. É que hoje está a decorrer uma cimeira franco-espanhola, para tratar do problema de uma ursa que, vinda de França, prefere vir comer ovelhas ao lado espanhol. Os espanhóis, ao contrário do dono das colmeias da notícia do Diário de Notícias mais acima, estão muito chateados com as oito ovelhas mortas, e não ajuda o problema o facto de a ursa ser uma imigrante eslovena, importada pela França no Outono passado, para repovoar (de ursos) as encostas setentrionais dos Pirenéus. Analisando a questão mais vasta dos ursos transfronteiriços, preconizar-se-á uma maior contenção na manifestação dos entusiasmos ambientalistas cá por Portugal (não haverá exagero no uso da expressão «o privilégio de ser visitado pelo urso-pardo»?!). E ocorre-me a dúvida: era o dono das colmeias que estava assim tão indiferente aos estragos provocados pelo urso, ou era o jornalista que achava que ele achava isso?

AS SONDAS SOVIÉTICAS VENERA 5 e 6

16 e 17 de Maio de 1969. Nestes dois dias encadeados duas sondas soviéticas (Venera 5 e Venera 6) penetram na atmosfera do planeta Vénus e retransmitem para a Terra dados sobre as condições de pressão, composição química, temperatura e luminosidade vigentes no planeta. A missão fora lançada duplamente para que se registasse um sucesso científico mesmo na eventualidade de algum mau funcionamento de um dos engenhos. Mas, no caso, ambas as sondas se comportaram conforme o previsto, tendo suportado pressão e temperatura crescentes enquanto desciam sobre o planeta. Sobreviveram durante cerca de 50 minutos nessas condições, até atingirem uma altitude estimada de 10 a 12 km da superfície, quando a temperatura já atingira os 320º C (a temperatura de fusão do cádmio) e a pressão atmosférica 26,1 bar (que é equivalente à pressão sofrida no oceano da Terra a 265 metros de profundidade!). Nessas condições extremas os dois engenhos colapsaram, mas tratou-se de um grande feito do programa espacial soviético, celebrado também pela emissão do selo que se vê acima, alusivo às duas sondas. Porque há cinquenta anos a corrida espacial estava ao rubro: no dia seguinte, o programa espacial norte-americano ripostava com o lançamento da missão tripulada Apollo 10. Como hoje se sabe, estes últimos iriam ganhar clamorosamente a corrida para a Lua mas, pelo menos pelos vinte anos seguintes, Vénus permanecerá um planeta comunista.  

16 maio 2019

O PARLAMENTARISMO BRASILEIRO


Abraham Weintraub é o nome um pouco arrevesado do actual ministro da Educação brasileiro. Já é o segundo ministro da pasta nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, e este só tomou posse há quatro meses e meio. O novo ministro compareceu recentemente numa audição parlamentar na Câmara dos Deputados e o vídeo acima é um resumo de cerca de 15 minutos dessa audição. Resumo que me parece simbólico de como é a dinâmica do parlamentarismo no nosso grande país irmão, agora potenciado por um governo de extrema-direita. Em vez de esperar que seja a oposição a partir a loiça, como é tradicional noutros parlamentos, aqui são as próprias bancadas governamentais a tomar a iniciativa de desencadear a baderna. Para os mais atentos e inquisitivos, esclareço que o deputado Alexandre Frota que ali aparece (com óculos!) é esse mesmo que estão a pensar: ex-actor, ex-director, ex-actor pornô, ex-modelo, ex-comediante, ex-jogador de futebol americano, ex-apresentador, ex-marido de Cláudia Raia, empresário e agora político (pelo menos, é assim que ele é apresentado na wikipedia e todos esses atributos, presentes e pretéritos, não contrastam com o ambiente). A próxima vez que houver outra sessão de impeachment naquela casa, que os comentadores das redes sociais não se indignem tanto, porque tudo aquilo é trivial, ou para citar um imorredouro verso de Manuel Alegre: Tu não viste nada em Nambuangongo!

A ADMINISTRAÇÃO TRUMP E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Desde ontem, o twitter da Casa Branca, e porque «a Administração Trump se dispõe a lutar pela liberdade de expressão on-line», passou a acolher queixas de quem suspeitasse que a parcialidade política os tivesse levado a ter sido calados ou censurados. É uma daquelas iniciativas que apenas dão ressonância a fantásticas teorias da conspiração e que nos deixam sem comentários, só que, perante tal desplante, as analogias disparatadas acabam por fervilhar: isto faz tanto sentido como imaginar uma caixinha de sugestões pendurada à entrada do palacete de São Bento, para que os portugueses pudessem nela depor o seu contributo sobre a forma como eles achavam que o professor Salazar deveria governar Portugal...

15 maio 2019

...O APANHAR DAS CANAS

Eu quando aprendi - vai para uns cinquenta anos - a ladainha descritiva daquelas pessoas que «Fazem a festa e deitam os foguetes», ainda não lhe haviam acrescentado a parte chata do «apanhar das canas». Essa tarefa complementar (hoje meritória, na perspectiva da sustentabilidade do planeta), só me lembro de a ter ouvido uma boa dúzia de anos mais tarde. E confesso que me parecia estragar o efeito da ladainha original porque soava como um castigo para o folgazão que dispensava companhia. Os portugueses parecem ter uma relutância congénita em falar e comentar o que aconteceu nas celebrações chegado ao dia seguinte ao seu fim. É coisa para as mulheres a dias limparem e até parece rude alguém pedir explicações sobre os inúmeros excessos que se cometeram durante as festividades. Esse pudor transborda para inúmeros outros aspectos do nosso quotidiano. Continuar a acompanhar o cumprimento de promessas eleitorais, por exemplo. É incompreensível mas socialmente, o opróbrio parece recair sobre quem insiste em pedir satisfações e a vítima é quem não as presta. Como se, para certas pessoas e independentemente da seriedade do tema, tudo não passasse de um contínuo Carnaval. Mas não conheço melhor cronista que Miguel Esteves Cardoso para explicar essas idiossincrasias da alma lusitana. Miguel Esteves Cardoso que, por sinal e depois de incensar o cantor como acima se vê, seria uma das pessoas mais qualificadas para nos fazer perceber nesta quarta feira de cinzas, as razões pelas quais os espectadores (e o júri) do eurofestival não se impressionaram com a música "original, bonita, gozona, lírica, genuína, explosiva e arrebatadora" do Conan Osiris. Se calhar estou a ser chato por agora pedir a Miguel Esteves Cardoso que apanhe as canas dos foguetes que lançou... Adenda (17 de Maio): Descobri que não estava nada a ser chato, porque ele afinal não apanhou cana alguma, aproveitou a semana para falar... de fruta. Aqueles que estão mais atentos aperceber-se-ão que os bradados Vivas ao Conan Osiris eram uma crónica, mas que os seus elogios às cerejas e morangos e pêssegos e alperces e framboesas são uma opinião.
Nova Adenda (20 de Maio): E, passados uns meros três dias, aí o temos de novo, ao Miguel Esteves Cardoso, entusiasmado com mais alguém, no caso a nova coqueluche do Benfica, João Félix. É uma opinião. Se calhar estas são as genuínas, e as crónicas são os fretes. Se calhar, é ao contrário - eu gosto muito de salada de frutas, por exemplo, mas não ao ponto de opinar sobre ela. Fica-nos esta imagem poética clássica de quem saltita delicadamente de nenúfar em nenúfar; o Miguel saltita de arrebatamento em arrebatamento, e não há como ele para conferir entusiasmo a todos os nenúfares onde pousa.

O QUE SE PODE DENOMINAR POR UMA DESCONTRACÇÃO EXCESSIVA...

...ninguém estará interessado em ler com aquela facilidade os dizeres das cuecas da pessoa que nos precede na fila.

14 maio 2019

REFLEXÕES A PROPÓSITO DO «CENTENÁRIO» VIRTUAL DO BANCO PORTUGUÊS DO ATLÂNTICO

14 de Maio de 1919. Se ainda existisse, o Banco Português do Atlântico estaria hoje a completar cem anos de existência. Quando completou o seu cinquentenário, a data foi assinalada com este anúncio de página inteira, e esses eram tempos em que estas instituições bancárias, sólidas porque resultantes de amadurecidos processos de absorção e fusão, pareciam instituições perenes, estariam destinadas a durar para sempre. Naquela época, havia a percepção pública que o BPA, que fora fundado em 1919, rivalizaria em robustez com instituições como a GNR (Guarda Nacional Republicana) ou o IST (Instituto Superior Técnico), ambos fundados em 1911. Mas tratava-se de uma ilusão. Os organismos do Estado possuem uma gravidade muito própria, enquanto as instituições privadas, por muito robustas que o parecessem, não estão afinal concebidas para se perpetuar. Neste caso em concreto, o BPA acabou por vir a ser, ele próprio e depois de várias vicissitudes que incluíram a sua nacionalização em 1975, engolido pelo BCP antes do final do século XX. Só que depois disso, e já em pleno século XXI, descobriu-se que isso, afinal, não era bem verdade... Quando uma instituição financeira entra em dificuldades, mesmo que ela seja privada e mesmo que isso aconteça nos Estados Unidos, a regra de ouro do capitalismo de deixar os accionistas com os lucros e os prejuízos afinal não se aplica, porque ele há instituições que são demasiado grandes para se deixar colapsar, situação em que quem tem que entrar com o capital é o contribuinte! Alguém postulou que a grande descoberta - à posteriori - sobre as leis da economia de mercado neste século XXI é que os lucros eram privados mas os grandes prejuízos das instituições financeiras, quando ocorrem, são para ser tornados públicos. O que, apesar de bombástico, não é um exagero assim tão grande quanto isso...

13 maio 2019

SERÁ QUE TERÁ CHEGADO A HAVER MESMO JORNALISMO ECONÓMICO EM PORTUGAL?

Neste ambiente de quase pogrom, em que se multiplicam as facas assestadas para se cravarem em quem teve responsabilidade directa, indirecta, ou ainda que remota, pelo colossal calote pregado por Joe Berardo, será tempo de constatar que o tempo, os factos e, sobretudo, os exemplos anteriores de figuras como Nicolau Santos ou José Gomes Ferreira, tornam a reavivar a pertinência de questionar se não foi uma ilusão, a de que existiu um jornalismo económico em Portugal, que escrutinava o que estava a acontecer. No caso concreto das operações de Joe Berardo, e para que as culpas não recaiam sempre nos mesmos, o exemplo centra-se nos artigos de época de Cristina Ferreira (2008), jornalista depois premiada pela Ordem dos Economistas (2011), para que, através da chancela do prémio*, não se fique com a ideia que é só o rei que vai nu: a bondade como o assunto foi acompanhado, o financiamento de uma guerra através de operações de Bolsa, sem quaisquer garantias, permite hoje a conclusão de que, mais do que um rei nu,  tratou-se mesmo de todo um desfile de nudistas! Agora, é só uma questão de pontaria política para escolhermos a quem queremos apontar, por então não ter dito nada.  
Se alguém se dispuser a recomeçar a trabalhar em jornalismo económico em Portugal, vai mesmo ter que começar a partir do zero, se não mesmo de mais atrás ainda...


* O júri que atribuiu o prémio era presidido pelo Bastionário Rui Leão Martinho, e composto por Jacinto Nunes, João Salgueiro, Fernando Teixeira dos Santos e Miguel Beleza. O prémio foi atribuído por unanimidade, tendo a vencedora derrotado outros quatro nomeados: Pedro Santos Guerreiro, director do Jornal de Negócios, António Costa, director do Diário Económico, José Gomes Ferreira, subdirector da SIC, e Sérgio Gonçalves, da agência Reuters.

O SUB-SECRETÁRIO DA GUERRA

13 de Maio de 1939. O Estado Novo era useiro nestas práticas de dar grande relevo aos aniversários das posses dos governantes. Há precisamente oitenta anos tinha lugar um desses eventos, a pretexto de se completar o terceiro ano do capitão Fernando Santos Costa como sub-secretário de Estado da Guerra, lugar de denominação aparentemente menor, mas que a própria notícia insistia em esclarecer tratar-se de um dos pilares em que assentava o regime, como «braço direito do sr. presidente do Conselho e ministro da Guerra» (Salazar). Actualmente denomina-lo-íamos como o interface através do qual Salazar lidava com o exército, que era quem detinha a força. Aos 39 anos e com o modesto posto de capitão, Santos Costa fora cooptado de uma forma surpreendente pela sua competência como burocrata do ministério da Guerra, daquelas ascensões súbitas que só os regimes despóticos conseguem proporcionar. Mas, mais do que apenas um burocrata competente, encarregue da «vasta e complexa obra de reorganização e (...) rearmamento do Exército», o jovem capitão estava a revelar-se um dos jovens promissores do regime, construindo senão mesmo encabeçando uma das facções, quiçá aquela que seria composta substancialmente pela «oficialidade» que o iria «cumprimentar» e «felicitá-lo pela sua obra». Não querendo revelar demais dos próximos capítulos da história do homenageado, diga-se que Santos Costa vai ganhar e, ao mesmo tempo, perder, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, que então estava a um pouco mais de três meses de distância no futuro. Ganha porque a importância do Exército cresce num Mundo em guerra, e ele ganhou com isso, mas vem a perder a um prazo mais distante, quando apostou as suas simpatias na vitória da causa alemã. A sua carreira política, que se prolongará por mais vinte anos, ficou para sempre ensombrada por ser considerado um germanófilo.

12 maio 2019

AS CÓPIAS DE PECHISBEQUE DOS NOSSOS MACAQUINHOS DE IMITAÇÃO


Cannes, Maio de 1969. Para se promover e promover o filme em que participava (Z - A Orgia do Poder), o actor francês Jean-Louis Trintignant (que viria a receber o prémio de melhor actor nesse Festival...), deixa-se entrevistar por uma jornalista enquanto é filmado ao volante de um Mercedes desportivo descapotável, passeando-se pela Promenade de La Croisette. A cena fazia sentido, considerando a popularidade alcançada pelo actor em Um Homem e Uma Mulher (1966), onde ele desempenhara um papel como condutor desportivo, aparecendo repetidamente nesse filme a conduzir. Só que, passados um ano e cá em Portugal, vemos uma cena decalcada da anterior, agora a pretexto da promoção do filme O Cerco. Decalcada é como quem diz... Entrevistador e entrevistada trocam de posição e agora é o primeiro que conduz; Maria Cabral era modelo de publicidade, não tinha nada a ver com automóveis (se calhar, nem tinha carta de condução); ao contrário do original, é também ele, o entrevistador, a fazer quase todas as despesas da conversa; a Croisette de Cannes é trocada por uma das laterais da Avenida da Liberdade com a cena a ser filmada à noite e a luminosidade a deixar imenso a desejar; e o desportivo descapotável passou de um opulento Mercedes para um mais económico e maneirinho Peugeot (adenda: alguém me esclareceu amável e posteriormente tratar-se de um Fiat, o que não desvirtuará substancialmente o panorama). Mas, como diria uma das personagens de Eça de Queiroz: parecia Chique a Valer!, que por cá e mesmo oitenta anos depois da publicação de Os Maias, continuavam a ser bem poucos os que tinham meios e oportunidade para distinguir entre o que era artisticamente original e aquilo que era contrafacção do que se fazia no estrangeiro.

OS PASQUINS DE HÁ TRINTA ANOS

12 de Maio de 1989. Uma «sondagem» publicada no Diário de Lisboa permitia ao jornal concluir que quase metade dos portugueses está(va) descontente com a actual situação económica e política. A leitura atenta do artigo não permitia descobrir a data da sondagem, o número de eleitores inquiridos, quem a realizara, que métodos haviam sido empregues, enfim, falta ao «estudo» tudo aquilo que hoje é obrigatório incluir na ficha técnica que acompanha tal género de notícias. O pasquinismo de há trinta anos era do outro extremo do espectro político, mais primitivo, mas igualmente descarado. A coisa fazia-se acompanhar de um quadro assaz confuso, que continha o defeito adicional das conclusões a que queriam induzir o leitor se virem a revelar erradas. O propalado sobressalto de desagrado iria ser desmentido em boa parte pelo resultado das eleições europeias realizadas dali por cerca de um mês; e completamente esmagado pela vitória do PSD com nova maioria absoluta dali por dois anos.

11 maio 2019

O QUE INTERESSA É MESMO SÓ A QUEDA...

Vladimir Putin foi o convidado de honra num jogo de exibição de hóquei no gelo que recentemente  se realizou em Sochi. Foi um jogo a feijões mas tornou-se uma tradição russa não só a participação do presidente como a transmissão televisiva do acontecimento pelo canal oficial nesta altura do ano. Simbólico também de uma gramática comunicativa reminiscente das eras soviéticas, existe uma ligeira divergência entre as versões oficiais e oficiosas de quantos golos marcou o presidente: oito, segundo a Reuters e a AP, dez, segundo o Kremlin. Muitos e irrelevantes, de qualquer maneira, porque o que realmente teve interesse noticioso fora da Rússia foi a queda (abaixo) que o hoquista protagonizou quando da sua volta de consagração como melhor marcador. Será que o Marcelo sabe patinar no gelo?... Se não, tem que aprender!

A PRETEXTO DE BILL MURRAY E DEDICADO A QUEM SE VAI ESTREAR A ESCREVER PARA TEATRO

«- I don't like it when people come up to me after my plays and say, "I really dug your message, man." Or, "I really dug your play, man, I cried." You know. I like it when people come up to me the next day, or a week later, and they say, "I saw your play. What happened?
(Eu não gosto quando as pessoas me vêm dizer depois das minhas peças "Captei mesmo a tua mensagem, pá". Ou, "Realmente apreciei a tua peça, pá, até chorei". Estão a ver? Eu gosto é quando as pessoas vêm ter comigo no dia seguinte, ou uma semana depois, e dizem "Vi a tua peça. O que é que aquilo quer dizer?")

10 maio 2019

A CONCLUSÃO DA PRIMEIRA FERROVIA TRANSCONTINENTAL

10 de Maio de 1869. Cerimónia da conclusão da primeira ferrovia ligando os estados do centro e da costa Oeste dos Estados Unidos (mapa abaixo).
Durante a minha infância, a imagem nítida que retive de todo o episódio foi a "implacável rivalidade" entre as duas companhias construtoras (Central e Union Pacific), tal qual era descrita nas aventuras do tenente Blueberry. A Union Pacific era a boa, para a qual trabalhava o tenente Blueberry; a outra era a má, que acicatava os índios das regiões que a rival precisava de atravessar. Havia um péssimo, Jethro Steelfingers, que ia buscar a alcunha ao facto de possuir uma mão artificial em aço, mão essa que acabou a enfeitar o pescoço de um grande chefe índio, já não lembro qual. Grandes histórias!

09 maio 2019

TRUMP E OS TRUMPINHOS

Não sei quem as encomenda, nem sei se quem as encomenda fica satisfeito com este produto final, mas, a verdade é que fico com a sensação que o impacto destas notícias acaba por gerar em quem as lê mais antipatias do que os receios que intentará gerar. Os funcionários das Necessidades esticar-se-ão (talvez) em sentido, tal o tom grosso da voz dos Estados Unidos nas chancelarias, mas até os cromos da direita nacionalista das redes sociais (que desconfio nem desgostarem do estilo Trump...) remexer-se-ão desconfortados com tanta exibição gratuita de despotismo, humilhando ostensivamente os outros. Contudo, e apesar de ser desagradável e humilhante de se assistir, até é interessante ver o estilo intimidatório do actual ocupante da Casa Branca a reproduzir-se, imitado pelos titulares das embaixadas dos Estados Unidos que ele espalhou pelo Mundo. Só para que os cépticos constatem que não é inócuo que se empregue aquele estilo campanudo. Há o Trump e com ele aparecem os trumpinhos.

Se escrevo todo este preâmbulo é porque, ao contrário do que se deduzirá da mensagem acima veiculada pelo Observador, o mesmo problema da rede 5G da Huawei se tem vindo a colocar no Reino Unido. Embora o problema seja para levar muito a sério, não dei por que o embaixador dos USA em Londres se lembrasse de fazer ameaças do mesmo estilo das feitas por cá. Noutros países (mais...) europeus, por exemplo em França e na Alemanha a decisão ainda está embrulhada. De qualquer modo, suponho que o mais assisado será que a decisão portuguesa venha a tomar em conta as opções desses seus parceiros. Aquilo que se está a assistir é a uma guerra comercial das antigas, e a controvérsia, mais do que envolvendo a nova tecnologia das redes móveis (5G), tem a ver com a nacionalidade de um dos competidores mais aguerridos, a Huawei chinesa. Para criarem obstáculos aos chineses, os norte-americanos já arranjaram de tudo o que puderam para lhes emerdar a vida: até pediram ao Canadá para que prendessem a CFO daquela empresa por fraude(...).

A pedra de toque do discurso americano alertando-nos contra a Huawei é a questão da segurança. É um assunto sério, que aliás tenho visto a ser encarado com essa mesma seriedade pelas autoridades da União Europeia, a preocupação com a possibilidade de que os chineses através da Huawei viessem a dispor de um trampolim privilegiado para a intercepção das telecomunicações móveis na Europa. O que borra a pintura, é ouvirmos essas preocupações quando expressas por americanos. É que mesmo o passar do tempo não nos deixa esquecer outros tempos, em que as tecnologias tinham menos Gs e os operadores se chamavam Vodafone, e se descobriam escândalos em que todo o governo grego e o topo do aparelho de segurança da Grécia haviam estado sob escuta por ocasião da realização dos Jogos Olímpicos de 2004. E esse é apenas um exemplo, devidamente abafado na altura para que não desse em nada. Outro mais recente, que já deve ter envolvido um G mais elevado do que o anterior, foi a descoberta que, durante mais de dez anos, os americanos haviam estado a escutar as conversas de telemóvel de Angela Merkel!

Creio que ninguém gosta de ser espiado por quem quer que seja, e também não pelos chineses, mas o senhor embaixador americano que tenha juízo. A última e única vez em que Portugal foi publicamente «afectado pela partilha de informação secreta» foi em 1975, envolveu o bloqueio dos Estados Unidos mas também o de todos os outros nossos aliados da NATO e, sobretudo, todos os portugueses (os comunistas que eram suspeitos de se chibarem e todos os outros) percebiam porquê.

08 maio 2019

DA PROIBIÇÃO DA VENDA AMBULANTE DE CASSETES (PIRATAS) ATÉ SERAFIM SAUDADE, UM DOS «REIS» DESSAS «CHARTS» CLANDESTINAS

8 de Maio de 1979. Entrava em vigor uma nova legislação que proibia a venda ambulante de discos e cassetes, uma medida destinada a combater a contrafacção. Naquela época, a esmagadora maioria da música à venda nas feiras tradicionais era descaradamente pirateada. O art.º 7º do Decreto-Lei nº 122/79 proibia «o comércio ambulante de uma lista de produtos anexa», e dessa lista constavam os «instrumentos musicais, discos e afins, outros artigos musicais, seus acessórios e partes separadas». Como tanta outra legislação, também esta permaneceu letra morta. Cinco anos depois, Herman José criava Serafim Saudade, uma personagem que se ia inspirar nos populares cantores pimba, que haviam sido (e continuavam a ser) das maiores vítimas dessa indústria clandestina. E tanto havia a sensação que a contrafacção musical prosseguia, tão próspera quanto sempre, que, na sua canção de apresentação (abaixo), Serafim se gabava, sarcástica e significativamente, de ser «artista, da rádio, tv, disco e da cassete pirata». Vingar nas charts das cassetes piratas era para ser entendido como uma expressão da sua popularidade. 

07 maio 2019

PARECE QUE NEM O PASSADO É COMO NOS QUEREM CONTAR QUE FOI

Há poucos dias foi notícia que a taxa de desemprego nos Estados Unidos havia descido para índices como não havia noticia desde 1969. A satisfação da Administração Trump é compreensível e notória. Mas a questão aqui são as suas queixas recorrentes de que a comunicação social não dá valor a esses sucessos da sua governação, o que, sendo verdadeiro, não é nada de novo. Se regressarmos a 1969, o tal ano de referência da taxa de desemprego, aquilo que podemos encontrar de referências noticiosas sobre os Estados Unidos na edição de há precisamente 50 anos do Diário de Lisboa é um «acentuar da contestação», apesar de naquele país se estarem a registar taxas de emprego como nunca mais se voltariam a ocorrer nos 50 anos seguintes... Parece que o passado não é como nos querem contar que foi... Ou então, está-se a fechar o ciclo da moda que, há cerca de 25 anos, estabeleceu que tudo em política tinha a ver com economia («It's the economy, stupid!»). Não tem. Nunca teve. E as pessoas que viveram esses anos na América, não recordam deles a empregabilidade, mas a contestação. E com os tempos que se vivem na América de Trump é  facílimo perceber o porquê disso.