Comece-se por se esclarecer que a expressão "justa luta dos trabalhadores" é uma daquelas cassetes clássicas dos comunistas portugueses. No seu dialecto, é inconcebível conceber que os trabalhadores travem uma luta injusta. Mas é precisamente porque a teologia é assim tão rígida que a argumentação entra em colapso quando os trabalhadores se viram contra patrões comunistas. É como se fosse uma espécie de curto-circuito no quadro eléctrico das certezas do marxismo-leninismo. Berlim, a 21 de Maio de 1949 era uma cidade politicamente dividida, cujo sector ocidental fora submetida aliás a um bloqueio que terminara há apenas nove dias. Mas em muitos outros aspectos (como o saneamento ou os transportes), Berlim funcionava como uma estrutura integrada, submetida à supervisão das quatro potências ocupantes. E há precisamente 70 anos essas autoridades viam-se a braços com uma greve dos 14.000 ferroviários de Berlim, greve essa que interrompeu completamente os ligações suburbanas usadas por 750.000 berlinenses para vir trabalhar. Mais do que isso e como se lê na notícia acima do Diário de Lisboa, os grevistas elegeram como inimigo principal as autoridades soviéticas e os seus agentes de Leste: o delegado soviético, o general Kvashnin, foi surpreendido numa das suas visitas e correu perigo de ser maltratado pelos grevistas. Por detrás da hostilidade generalizada para com todos os russos, acrescia, neste caso, o facto de que os fura-greves amarelos agiam em nome de Marx e Engels, Lenine e Estaline. Contudo, o motivo que explica a justeza da luta dos trabalhadores só aparece no final do artigo: os ferroviários queriam ser pagos em marcos ocidentais (DEM) e não na depreciada (e pouco apreciada...) moeda (também chamada marco) da zona oriental. A supremacia financeira do capitalismo desconstruía a superioridade científica da explicações dialécticas quanto aos interesses de classe dos trabalhadores. E, diante de tudo isto, as autoridades aliadas ocidentais (norte-americanas, britânicas e francesas), que haviam saído do sufoco de uma situação de bloqueio aos seus sectores da cidade, assumiam agora uma quietude não desprovida de ironia - haviam conseguido passar a ideia que quem criara o problema haviam sido os soviéticos e que era a eles que competia resolvê-lo (a fotografia é de soldados franceses guardando a estação de Gesundbrunnen).
Adiante-se que a greve se prolongou por semanas, a batata assando nas mãos dos soviéticos. Os ferroviários berlinenses não se queriam contentar por nada menos que 100% dos seus ordenados pagos em marcos ocidentais. E o outro aspecto importante era acautelarem-se contra as retaliações soviéticas. A greve só acabou em 28 de Junho. Os soviéticos cederam. Foi uma grande conquista do povo trabalhador. Não sei se o pessoal que escreve no Avante! conhece esta história ou, conhecendo-a, desconfio que não lhe apetecerá particularmente evocá-la.
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