04 maio 2019

A CONDENAÇÃO DE OLIVER NORTH E O MR. WOLF DOS ESCÂNDALOS REPUBLICANOS NA CASA BRANCA

Desde o princípio que o escândalo, que a comunicação social americana baptizou de Irangate, foi uma gigantesca operação mediática, magistralmente encenada pelos delinquentes. Basta apreciar-se o enquadramento (acima, à esquerda) de como o principal réu, o tenente-coronel Oliver North, era fotografado. Nas esmagadora maioria das fotografias, o antigo assessor da Casa Branca, apresentava-se fardado e de condecorações ao peito, mão alçada a fazer o juramento e uma expressão de infeliz injustiçado, com as sobrancelhas a desenhar um acento circunflexo condoído (embora não interessasse saber muito bem quem eram os agentes causadores dessa injustiça... - os que o julgavam, ou os que se escondiam atrás de si?...). O escudo na parede dava uma sugestão final de honradez que é coisa que os acontecimentos viriam a mostrar ter tido estado completamente ausente de todo o escândalo. E aprecie-se também a essência do seu depoimento (acima, à direita, sintetizado numa capa da revista Time de 1987): de que «ele fora autorizado a fazer tudo o que fizera». O problema é que o tudo aquilo que ele fizera era ilegal. E um problema maior do que ele, arraia miúda, era, reclamando North que fora autorizado, quem é que o tinha autorizado, e até que nível da hierarquia da Casa Branca se soubera o que ele andara a fazer...
A 4 de Maio de 1989 (cumprem-se hoje precisamente trinta anos), e ao fim de uns arrastadíssimos três anos e nove meses, terminava o julgamento de North, a vítima (que entretanto ganhara a alcunha simpática de Ollie North). Mesmo apesar da predisposição favorável gerada pelo tratamento mediático (já agora, note-se, como na mugshot da sua detenção, ele já se veste à civil e o acento circunflexo desapareceu de cima dos olhos de Oliver North...), ele acabará considerado culpado de três das doze acusações com que comparecera a tribunal. Mesmo sendo só três, a da falsificação e, sobretudo, da destruição dos documentos relacionados com o caso, indiciava que se estaria diante de um caso de encobrimento de responsabilidades de níveis hierárquicos superiores ao seu. A notícia de há trinta anos remetia para uma sentença a ser proferida ulteriormente: viria a ser de três anos de pena suspensa, uma multa de 150.000 dólares e 1.200 horas de trabalho comunitário. Mas, por essa altura, já Ronald Reagan abandonara o poder e o caso deixara de ter interesse político.
Criara-se uma narrativa que Ollie North era um gajo porreiro, vítima dos poderosos, que, quiçá sentindo-se injustiçado, até se dispunha a contar a sua versão da história (abaixo, à esquerda), o que ainda poderia ter consequências desagradáveis para o presidente em exercício, George Bush (pai), que fora o vice-presidente de Ronald Reagan. O que se seguirá, durante a administração de Bush (pai) (1989-93), será um processo de abafamento das consequências do escândalo Irangate. O nosso estimado Ollie North e o seu superior imediato, John Pointdexter, viram as suas sentenças anuladas, enquanto uma meia dúzia de outros antigos funcionários da Casa Branca, incluindo figuras tão destacadas quanto o antigo secretário da Defesa Caspar Weinberger e o antigo conselheiro de Segurança Robert McFarlane, viram-se perdoados pelo presidente Bush (pai), numa generosa decisão natalícia de 1992, a menos de um mês dele abandonar o cargo presidencial para Bill Clinton.
Toda aquela indulgência é um pormenor de todo este assunto que acaba por nos trazer para a actualidade, porque o reputado promotor de um tal acto de generosidade foi o mesmo William Barr (Procurador Geral dos Estados Unidos entre 1991 e 1993 e novamente em 2019) que agora reecontramos nessa mesma Casa Branca a trabalhar para o abafamento do que lá tem acontecido com Donald Trump. Também aqui o problema é controlar os danos para que o desgaste não trepe pelas hierarquias acima, até à pessoa do presidente. Tarefa difícil, porque Trump não é Reagan. Mas, para quem seja cinéfilo e/ou se recorde dos filmes de Quentin Tarentino, William Barr parece-me ser uma espécie de Mr. Wolf de Pulp Fiction, um fixer cheio de estilo, mas quand même um fixer - no sentido de pessoa desprovida de escrúpulos. Wolf trata de cadáveres reais, Barr trata de esqueletos dentro dos armários.

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