A homenagem a Adriano Moreira que esta manhã teve lugar no Congresso do CDS em Lamego fez-me lembrar outras homenagens àquela mesma distinta figura. Uma delas, bem antiga e que pode ser consultada no site dos arquivo da RTP, teve lugar já há 56 anos, mais precisamente a 14 de Abril de 1962, quando se cumpria um ano da presença de Adriano Moreira à frente da pasta do Ultramar. Na ocasião, o ministro teve ocasião de pronunciar o seguinte discurso em agradecimento à homenagem que os presentes ali lhe faziam:
«Senhor Subsecretário de Estado
Minhas Senhores e meus Senhores
Tenho a certeza de que não esperam que eu produza neste momento grandes e importantes declarações, até porque, as coisas a fazer são tantas, que há menos lugar a falar do que para tentar resolver os problemas pendentes. Não posso, em todo o caso, deixar de dizer algumas palavras. Em primeiro lugar de agradecimento, pela circunstância de terem vindo aqui hoje e, pelas palavras, que naquilo que pessoalmente me dizem respeito, são inteiramente imerecidas mas com que quiseram marcar o dia de hoje. Eu sei que esta cerimónia de cumprimentos ao ministro do Ultramar é tradicional nesta casa e eu próprio ao longo dos já muitos anos de serviço tive ocasião de participar em muitas. E por consequência só atribuo algum significado especial à cerimónia de hoje por ver que as circunstâncias difíceis que o país atravessa puderam mover tanta gente a manifestar a sua confiança, não no ministro, mas no destino do país. Digo isto com toda a sinceridade, porque estou intimamente convencido de que um homem só em parte nenhuma pôde realizar uma obra duradoira. Tudo aquilo que constitui os instrumentos da nossa acção, incluindo o falar, é resultado da obra de tantos antecessores anónimos, que é apenas expressão de realismo e não de modéstia reconhecer que a obra de um só homem não pode chegar para realizar coisa que valha em benefício do país. E por isso, nesta ocasião, eu quero sobretudo lembrar o grupo de responsáveis pelo governo de cada uma das províncias, tantas vezes mal conhecidos, ou desconhecidos do país, quando é certo que são eles, quando à testa de cada um desses territórios, e em contacto directo com as dificuldades e com as realidades, são eles que efectivamente suportam com as suas mãos o peso maior da tarefa que nos incube a todos. Foi possível, ao menos, tirar um benefício das circunstâncias difíceis que temos atravessado, foi que o país todo tomasse consciência da existência perene de uma consciência ultramarina e da existência de uma espécie de falange de homens, tantas vezes ignorados, que preservaram, até hoje, esse ideal da expansão no Ultramar, e foram capazes de estar à altura de sustentar os nossos ideais e os nossos interesses no momento preciso. E é para eles que especialmente vão os meus pensamentos e as minhas palavras neste momento e é para eles que eu dirijo os cumprimentos que vossas excelências quiseram vir-me apresentar nesta ocasião.
Temos, naturalmente, que fazer um esforço extraordinário para correspondermos às solicitações do nosso tempo, umas vezes favoráveis, outras agressivas, mas constituindo sempre factores que não podemos deixar de encarar com realismo. É muito simples a regra pela qual tenho procurado orientar a administração do Ultramar. Penso que, em face dos declarados projectos dos nossos adversários, dos auxílios que ostensivamente ou clandestinamente lhes são prestados, das incompreensões de que somos vítimas, uma coisa fundamental era preciso que fizéssemos sempre: primeiro, que puséssemos a justiça acima de tudo em relação aos nossos encargos e tarefas ultramarinas; segundo, que não nos limitássemos a proclamar isso, mas que fôssemos autênticos em todas as circunstâncias, quer dizer, que puséssemos os actos de acordo com as palavras. Assim, penso que conseguiremos preservar o nosso mais sólido bastião, que é, o de que até os nossos adversários nos respeitem. Porque desse respeito depende fundamentalmente a viabilidade da tarefa nacional. Naturalmente, as leis vão sendo feitas e não é sempre fácil traduzi-las logo em facto. E só quem, ou não teve a responsabilidade ou não tem o sentido da dificuldade de mexer em estruturas sociais, pode estranhar que as leis não se transformem imediatamente em factos de um só acto e até pode, com ligeireza, atribuir isso a fraquezas da administração. Não é justo. Nem avalia suficientemente o esforço tremendo que tem sido exigido aos quadros nos últimos tempos quem tomar esta atitude fácil em relação à tarefa que tem incumbido ao ministério do Ultramar. E, a alguns dos críticos, eu gostaria apenas de recordar, para defesa e louvor dos quadros, alguma coisa que já tive ocasião de dizer a esse propósito: é que toda a nossa legislação se baseia em certa regras que foram proclamadas há dois mil anos e não me constam que já estejam inteiramente em vigor. Talvez pensando isso, as pessoas possam encarar com um pouco mais de realismo e de compreensão a distância que vai do esforço que é necessário despender para que as leis se transformem em factos. Agora, aquilo que (...) sobre que penso que demos prova suficiente (...)»
A reportagem termina abruptamente, sem imagem e o som das palavras a ser abafado pelo clamor das palmas. A carreira do homenageado daqueles dias distantes e de hoje é tão extensa quanto versátil, mas conecta-a oportunas omissões a respeito de acontecimentos que protagonizou que foram muito importantes mas entretanto se tornaram inoportunos. Exemplo: entre todos os que se referem ao nadir do CDS enquanto partido do táxi (por causa do diminuto tamanho do seu grupo parlamentar de apenas quatro deputados que caberiam num desses meios de transporte), raros são os que recordam que o dirigente que conduziu o CDS a esse resultado histórico (o pior da história do partido) era precisamente... Adriano Moreira. Ninguém o expressa: acusações costumam recair é sobre Freitas do Amaral, que retomou a direcção do CDS depois de Adriano Moreira, e que tentou recuperar o partido para as eleições de 1991, falhando também (o partido subiu de quatro... para cinco deputados). Apontam-se as culpas a Freitas do Amaral, ninguém se refere a Adriano Moreira. É indubitável que o nonagenário hoje homenageado concentra em si inúmeras virtudes, das quais uma das maiores será essa capacidade inata de fazer os outros olvidarem-se dos seus momentos mais embaraçosos.
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