05 março 2018

O LIVRO VERMELHO E O LIVRO NEGRO

Nunca soube qual terá sido a causa - quiçá a obra clássica de 1830 de Stendhal - mas desde o principio que se me inculcou que existiam duas cores revolucionárias, o vermelho e o negro. O vermelho era a cor positiva e o negro era a cor negativa. Quando Arnaldo Matos, o grande educador da classe operária, o timoneiro cá da paróquia dos tempos do PREC, quis purgar o MRPP de quem o chateava, baptizou os chatos por linha negra, e a negrura da linha do renegado Sanches, não deixava dúvidas às massas populares quanto a quem teria razão naquela contenda. Quis a coincidência que as capas destes dois livros se distinguissem pela predominância das duas cores revolucionárias. Ou talvez não se trate de coincidência, que o tema dos dois livros são grandes desmandos dos períodos revolucionários, a Revolução Cultural na China e o Holodomor na Ucrânia. Recuperando as cores revolucionárias, o primeiro é um livro vermelho, o segundo é um livro negro. O primeiro sai-se bem na tarefa complexa de explicar as intenções e consequências dramáticas da manobra de Mao Zedong para recuperar o poder que ele sentia a tornar-se progressivamente cada vez mais simbólico por causa das suas incapacidades para dirigir administrativamente a China. A pacificação da China permitia a ascendência de figuras como Liu Shaoqi, Zhou Enlai ou Deng Xiaoping, enquanto Mao precisava de uma China em estado de perpétua desestabilização.
O segundo livro é um desapontamento. Nem sei se nele se chega a apresentar explicações para aquilo que aconteceu na Ucrânia em 1933. Até à página 140 (e o livro tem 367), onde começa o Capitulo 6, intitulado "Rebelião 1930", já se esgotou a paciência do leitor para a descrição das malfeitorias que os russos, sobretudo o poder soviético dos comunistas, haviam praticado sobre as populações ucranianas desde 1917 até esse momento. E faltam ainda mais dois ou três anos para que se chegue ao verdadeiro Crime da História, a morte pela fome de milhões de camponeses ucranianos, como resultado conjugado da diminuição da produção provocada pela coletivização das terras com o excesso das requisições de alimentos que foi executada pelos agentes do poder soviético. Mas, como houve uma tal banalização prévia da crueldade até quase metade do livro, o enfâse no clímax dos acontecimentos (1931-33) acaba desvirtuado. É um livro negro, não no conceito revolucionário, mas apenas como livro que falha na sua missão de denunciar outro dos maiores Crimes da Humanidade do século XX.

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