02 junho 2021

O TOP DOS TRINTA LIVROS TRADUZIDOS MAIS VENDIDOS NA FEIRA DO LIVRO DE HÁ CINQUENTA ANOS

2 de Junho de 1971. Estava a decorrer a 41ª edição da Feira do Livro em Lisboa e a organização do certame publicava no jornal daquele dia uma lista com os trinta livros traduzidos que haviam sido mais vendidos no decurso dos primeiros dez dias da feira. A lista era naturalmente dominada pelos clássicos da literatura, numa lista que misturava ficção com não ficção e onde, como é tradicional nas listas das vendas de livros em Portugal, a segunda (não ficção) quase não aparece. E contudo, nesse género da não ficção, gostaria aqui de chamar a atenção para a inclusão, entre os três últimos títulos da lista, de «O pavilhão dos cancerosos» de Alexandre Soljenytsine (sic), uma obra semi-romanceada de denúncia da repressão do regime comunista soviético, a que se segue, de maneira verdadeiramente dialéctica, «Materialismo e empiriocriticismo» de um tal V. I. Ulianov, que não é outro senão o estimado Lenine, o fundador desse mesmo regime comunista soviético. Sobre esta última obra, de inclusão obrigatória nas obras completas de Lenine (encadernadas) que qualquer comunista que se prezasse teve que comprar lá para casa (depois do 25 de Abril!), há uma referência muito engraçada no livro de memórias de Zita Seabra («Foi Assim»). O episódio que ela narra envolve-a e também a José Pacheco Pereira mais os desejos de militância política do segundo, precisamente nestes primeiros anos da década de 70, antes do 25 de Abril.

«O José Pacheco Pereira queria (…) ser comunista e procurou-me com esse objectivo. Para poder entrar tinha feito uma enorme preparação teórica e já tinha lido uma série de obras dos clássicos do marxismo-leninismo. (…) Achei aquilo muito estranho e disse-o ao controleiro (…), que concordou comigo: ou ele era um génio para ler tanto e preparar-se daquela forma, ou era suspeito. O José Pacheco Pereira, já com uma enorme capacidade de leitura e preocupação intelectual, falava com à vontade de O Capital de Marx ou do Materialismo e Empiriocriticismo de Lenine. Nós achámos melhor pô-lo de quarentena, para termos a certeza de que tão estranho comportamento não seria o de um provocador. Nunca chegou a entrar para o PCP (…) Impaciente, criou o seu próprio partido marxista-leninista. (p.27)»

Ou seja, qualquer potencial militante que tivesse ido à Feira do Livro, tivesse comprado o livro do V. I. Ulianov e, ainda por cima, o tivesse lido, era suspeito aos olhos dos militantes do PCP. Parece-me um dos retratos mais esclarecedores do que era o PCP, mesmo antes do 25 de Abril.

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