26 junho 2021

O PIOR DOS VÍDEOS DAS PREPOTÊNCIAS POLICIAIS NA AMÉRICA PODE SER O QUE NÃO SE VÊ

Este episódio teve lugar há quase seis anos, em Julho de 2015, em Rohnert Park na Califórnia. O vídeo regista hoje mais de 29 milhões de visualizações. Mas o mais chocante talvez não sejam as imagens do que então aconteceu, antes as suas consequências que, na altura e como se pode ver no vídeo, ainda não se podiam avaliar porque o incidente estava pendente da investigação. O que esta última concluiu, cerca de um ano depois, era que era «razoável» que o polícia (David Rodriguez) «tivesse sacado da sua arma de serviço da forma que o fez durante o seu encontro com o residente». E o relatório prosseguia, considerando que Rodriguez abordou o residente (Don McComas) «por razões legítimas e não com a finalidade de intimidar ou incomodar o residente», como este último alegava. Não é o que parece nas imagens, mas pronto... aceite-se a conclusão. Faça-se notar todavia, que o agente David Rodriguez, que ficara confinado a trabalho administrativo até à conclusão do inquérito, se aposentou cerca de seis meses depois dos acontecimentos acima filmados, e ainda antes da publicação do relatório que o exonerou. Se os indícios contarem para alguma coisa, estes não abonam em favor da conduta do agente e da admissão de responsabilidades pela autoridades policiais. Até parece que houve por ali uma negociação: tu demites-te e nós não te queimamos a carreira... Tanto mais que houve ainda a considerar, simultaneamente, uma acção de direitos civis que foi interposta pelo residente Don Comas em conjunto contra David Rodriguez, o departamento de polícia a que ele pertencia e ainda a administração municipal de Rohnert Park. Essa acção veio a ser abandonada em Abril de 2017 porque as partes haviam chegado a um acordo, acordo esse cujos detalhes não é possível conhecer... Normalmente isto quer dizer que as partes chegaram a acordo quanto a uma verba compensatória para o queixoso, verba essa que a parte contrária impõe que seja mantida em segredo, para não ajudar futuros queixosos. Em síntese, pior do que o despotismo do polícia é o facto da sua conduta não ter sido publicamente sancionada e ainda o facto de o queixoso se ter deixado comprar em silêncio. E tudo isso não se explica em vídeo.

Este poste é publicado, não por acaso, no dia em que se soube que o polícia que assassinou um detido em Minneapolis, num caso de grande repercussão mediática, foi sentenciado a 22 anos e meio de prisão. Num país que é conhecido pela severidade sancionatória da sua justiça, a ponto de ela se revestir muitas vezes de aspectos caricatos, como penas de dezenas e centenas de anos de prisão, e mesmo casos extremos como o do terrorista que foi condenado a 161 prisões perpétuas a que se adicionam 9.300 anos sem possibilidade de concessão de perdão(!), não deixa de se saudar que, por esta vez, e quiçá por se tratar do réu que se trata, a pena é ainda inferior aos 25 anos que a leniente justiça portuguesa estabeleceu como pena máxima.

Sem comentários:

Enviar um comentário