No provérbio tradicional português, critica-se quem poupa no farelo para depois gastar em farinha. O exemplo que aqui quero recuperar, desta notícia de jornal de há precisamente 75 anos é uma derivação dessa mesma ideia, mas aplicada aos mecanismos da censura da imprensa portuguesa em vigor à época. Repare-se como, na notícia, se evita empregar a expressão sindicatos, recorrendo-se em vez disso à expressão inglesa «trade-unions». É demasiado óbvio para ser casual, para mais quando, se fosse para preservar a expressão original, não seria a da língua inglesa, mas a da língua alemã: «Gewerkschaft». Afinal, a notícia é originária de Berlim... Constatados todos estes cuidados dedicados à semântica da designação do cargo do orador da conferência de imprensa, um senhor chamado Roman Chwalek, quem conhecesse (e ainda conheça) quais as posições defendidas pelas potências aliadas ocupantes da Alemanha, aperceber-se-ia que a transcrição do discurso constituía uma defesa completa das posições então defendidas pela União Soviética: «somos absolutamente contrários a qualquer espécie de separatismo ou federalismo na Alemanha». Ou seja: na forma a palavra sindicato era censurada; mas na substância, a mensagem soviética (comunista) era transmitida cristalinamente. E se dúvidas houvesse, e se o censor se tivesse dado ao trabalho de analisar o curriculum de Roman Chwalek, o orador que dissera aquelas coisas tão interessantes em prol da unidade alemã, descobriria que ele era militante comunista desde 1922, e que fora mesmo deputado daquele partido no Reichstag entre 1930 e 1933. Nem valia a pena adivinhar quem o colocara naquele cargo e lhe estava a dar aquela projecção... E claro que Chwalek estaria previsivelmente fadado para uma carreira ministerial na futura República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), onde o podemos apreciar nesse cargo na fotografia abaixo de 1954. Com uma censura como a portuguesa, os comunistas até podiam passar as suas mensagens, que a preocupação era não mencionar que eram oriundos dos «sindicatos»!
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