22 de Agosto de 1980. Por ser comunista, o Diário de Lisboa mal esconde a satisfação como publica a notícia da conferência de imprensa que fora dada no dia anterior pelo general Kaúlza de Arriaga. Este último, arrogara-se como o dirigente da extrema-direita portuguesa, a que se reclamava da herança do regime que fora deposto em 25 de Abril, uma direita que orgulhosamente se posicionava à direita da coligação AD (PSD, CDS e PPM) que se encontrava então no poder. Vale a pena poder ler-se a notícia original*, para se perceber porque um jornal comunista não se incomodara nada em promover assim as declarações de Kaúlza. Com tudo aquilo que dizia, Kaúlza conseguia tornar Spínola, que fora um seu antigo rival, num exemplo de ponderação - e não apenas pelo facto do segundo se manter calado... Como aqueles antigos aristocratas franceses que, em 1814, regressaram a França e pretendiam, delirantemente, reinstalar a sociedade que existira antes de 1789, também Kaúlza de Arriaga queria voltar ao que fora no 24 de Abril e parecia que não tinha vivido em Portugal depois disso. É que, por acaso, e ao contrário de Américo Thomaz e de Marcello Caetano e de vários outros que permaneciam exilados no Brasil, Kaúlza de Arriaga até ficara em Portugal em situação previligiada para assistir ao que acontecia à sua volta. O que só agravava e tornava indesculpável certas passagens das suas declarações, como as referências sobranceiras tanto a Ramalho Eanes, quanto a Soares Carneiro. Quanto à sua análise e previsões da conjuntura política, elas virão a ser desmentidas pelos factos, com uma única excepção. Em destaque: aAD NÃO perderá a maioria parlamentar em 5 de Outubro. Reforçá-la-á mesmo (por acaso, no Diário de Lisboa ficarão com uma cachola tão grande quanto a de Kaúlza...). Mas o PDC, que conseguira recolher 72.500 votos nas eleições anteriores, há-de arrepender-se amargamente de se ter deixado arrastar para esta coligação com o partido de Kaúlza de Arriaga, pois perderá quase 50.000 votos (a coligação PDC-MIRN/PDP-FN recebeu uns míseros 23.800 apesar de ter todas aquelas letras...), quiçá por causa de tanto disparate proferido pelo general. Por outro lado, quando Kaúlza se considera «cem por cento multirracial», presume-se que se esteja ao modelo de multirracialidade que se pode apreciar no vídeo abaixo, colhido por ocasião de uma visita sua a Angola em 1962... E esse havia passado completamente de moda.
A excepção ao resto das previsões falhadas é aquela que antecipa que Adriano Moreira virá a presidir ao CDS. O que virá a acontecer em 1985. Mas vale a pena complementar com a informação que foi precisamente com Adriano Moreira que o CDS se viu confinado à situação de partido do táxi (1987). O que parece comprovar que a associação nostálgica ao Estado Novo serve para a subsistência de um semanário, mas nunca se revelou um grande trunfo eleitoral em Portugal. A verdade é que, depois de Kaúlza de Arriaga, nunca mais apareceu um vulto na extrema direita portuguesa com pretensões de a reagrupar à sua volta. É verdade que tem vultos que se fartam de aparecer na televisão, mas esses vultos são intelectuais - quase todos sempre muito elogiados como tal por espontâneos da plateia - como serão os casos de Jaime Nogueira Pinto, José Miguel Júdice ou Nuno Rogeiro. Lembro-me, de um outro exemplo: Paulo Teixeira Pinto, que até teve oportunidade de declamar a sua poesia - por sinal, atroz! - aos telespectadores. Mas, até à aparição de André Ventura, que nem era nascido na altura da esclarecedora conferência de imprensa de Kaúlza de Arriaga, não se descortinava ninguém oriundo daquela área política com pretensões mussolinianas. Agora há. Um dos segredos de André Ventura é ser reconhecidamente um anti-marxista: enquanto Groucho Marx ficou conhecido por ter princípios, mas arranjar outros se aqueles não agradassem ao interlocutor, André Ventura parece-me pessoa que se preocupa quais em saber são os princípios que os interlocutores querem que ele adopte. Como se percebeu pelo episódio da discrepância entre o que consta nas teses académicas que escreve e aquilo que tem de opinar no dia a dia como dirigente do Chega. As suas convicções políticas não serão propriamente profundas, mas terá a grande vantagem sobre Kaúlza de conhecer como é o país, quarenta anos passados.
*«AD
perderá em 5 de Outubro a maioria parlamentar
Kaúlza de Arriaga, presidente do MIRN/PDP, qualificou ontem
de «erro político terrível» o facto de a AD ter recusado a proposta da formação
de uma frente não-marxista e anti-extremista.
«Se amanhã o marxismo voltar ao poder a responsabilidade não
é nossa e cabe inteiramente à AD» - declarou em conferência de imprensa.
O insucesso de tal projecto deve-se, segundo o MIRN/PDP, à «cúpula
do CDS e ao silêncio possivelmente calculado dos líderes do PSD».
Quanto ao êxito alcançado pela AD nas últimas eleições, o
presidente do MIRN/PDP considerou-o «marginal», mostrando-se convicto que «a
AD, por si só, perderá, com acentuada probabilidade, a maioria parlamentar, em
5 de Outubro.»
«Evitar a catástrofe do regresso ao poder do marxismo» e
conseguir a eleição de deputados da direita no Parlamento são os objectivos
fundamentais da campanha eleitoral que o MIRN/PDP fará, integrado na coligação
com o Partido da Democracia Cristã e a Frente Nacional.
Adriano Moreira presidirá ao CDS
Kaúlza de Arriaga afirmou não se ter decidido ainda quanto à
sua possível candidatura à presidência, afirmando que se apresentará «se a
maioria marxista ganhar as próximas legislativas».
Três personalidades políticas mereceram ao longo da
conferência de imprensa considerações do presidente daquele partido da direita:
Ramalho Eanes, Soares Carneiro e Adriano Moreira.
Quanto ao actual presidente da República, Kaúlza de Arriaga
mostrou-se favorável à sua não recandidatura, afirmando que o general Eanes
«devia regressar ao exército, ao posto de tenente-coronel», discordando, contudo,
das «fórmulas de ataques que lhe têm sido dirigidas», uma vez que são ataques
ao presidente da República de Portugal.
Sobre Soares Carneiro, o dirigente do MIRN/PDP considerou-o
um «homem sério», mas não escondeu a sua «perplexidade e expectativa» por
algumas das suas afirmações.
«O professor Adriano Moreira foi o mais acérrimo defensor do
ultramar português: É uma pessoa inteligente e, estando agora no CDS, dentro de
pouco tempo será o presidente do CDS» - declarou.
No plano internacional, o general Kaúlza de Arriaga
afirmou-se «cem por cento multirracial» e adepto dos regimes democráticos
presidencialistas.
O MIRN foi fundado, como movimento político em 23 de Dezembro de 1976, adoptando a designação e Partido
da Direita Portuguesa a partir de 3 de Agosto de 1979. Concorre às eleições
legislativas em coligação com o PDC e a FN.»
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