11 agosto 2020

O RETORNO DOS «KULÁKS» AO ALENTEJO

«Kulák» era a designação que os comunistas russos haviam dado aos agricultores mais abastados por ocasião da colectivização das terras, na década de 1930. Os comunistas consideravam-nos um inimigo de classe e o termo é pejorativo. Para que essa colectivização das terras tivesse tido sucesso, a grande maioria deles acabou na Sibéria. Mas, quase cinquenta anos depois, tudo isso parecia esquecido. Só os comunistas portugueses haviam importado por atacado a terminologia da pátria soviética para a sua acção política doméstica, traduzindo-a quando necessário. Neste caso, aos «kuláks» cá de casa, davam os comunistas a designação de «agrários». E, feito este necessário intróito, chegamos às notícias de 11 de Agosto de 1980, há quarenta anos. Numa página interior do Diário de Lisboa, dá-se conta da entrega (àqueles que se pressupõe serem os seus proprietários originais) de três reservas agrícolas em concelhos alentejanos. A colectivização das terras do Alentejo que tivera lugar em 1975-76, a que se dera o (errado) nome de Reforma Agrária, parecia estar agora em pleno retrocesso, com a aplicação da Reforma Agrária legal, que os comunistas, para a diferenciaram da sua, crismaram de Lei Barreto. A culminar um processo que é, todo ele, repleto de ironias, António Barreto ficou com a fama por ter escrito o script, mas nunca teve força para concretizar a verdadeira Reforma Agrária legal no terreno. É o teórico da Reforma Agrária, num país que adora ficar-se pela teoria da acção política - depois penduram-lhe a palavra estratégico para ninguém criticar. Adiante. Há quarenta anos, era um governo de direita conservadora que a promovia (à Reforma Agrária), com as nuances que se podem ler através da notícia acima: «...técnicos do MAP, acompanhados pelas forças da GNR, estão a proceder, hoje, à entrega de uma reserva...». A posição do jornal não se prestava a equívocos sobre a condenação em relação ao que era relatado. Para a explicar, o jornalista ia mesmo ao ponto de avançar com tecnicidades que deviam escapar ao leitor comum, como a questão dos pontos e o facto dessa pontuação poder ser majorada! E sobretudo, e para regressarmos ao ponto de partida, o facto de os beneficiários serem todos agrários, um deles com a acusação majorada de ser absentista... Como muitas notícias engajadas que o Diário de Lisboa daqueles meses publicava, também esta se percebe pela conjuntura da preparação dos comunistas para as eleições que virão a ter lugar a 5 de Outubro de 1980, como já aqui demos conta.

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