30 abril 2020

AS OPERAÇÕES MILITARES E OS QUADROS PARA AS EXPLICAR

30 de Abril de 1970. O presidente Richard Nixon vai à televisão explicar aos americanos porque invadira o Cambodja no dia anterior. E, para o fazer, assume uma postura didáctica, socorrendo-se de um mapa onde explica onde se localizavam os dois Vietnames, o Cambodja, e quais as áreas fronteiriças onde o inimigo se costumava refugiar. Não se tratava propriamente de uma novidade, no sentido em que o anterior secretário da Defesa Robert McNamara costumava usar mapas do género nas suas conferências de imprensa a respeito da situação no Vietname. Mas era uma novidade no sentido em que aquele género de explicações didácticas nunca haviam sido empregues directamente junto do grande público, num directo televisivo e em horário nobre. Criara-se uma moda. Passado alguns meses, no Verão daquele ano, o general Kaúlza de Arriaga, que era então o comandante-chefe no Teatro de Operações moçambicano e que gostava de se inspirar nos exemplos americanos de travar uma guerra contra-subversiva, copiou o estilo por ocasião da operação Nó Górdio, ao aparecer na RTP para explicar o que as tropas portuguesas sob o seu comando andavam a fazer no norte de Moçambique (abaixo). O resto do paralelo seria impensável: o presidente Américo Thomaz a explicar uma operação militar na televisão (ou em qualquer outro lado) seria, mais do que politicamente indesejável, simplesmente ridículo...

QUEM SE METE COM O PUTIN, LEVA...

Parafraseando a célebre frase de Jorge Coelho... Só que este último era uma majorette a dirigir o coro de apoiantes de Guterres e Putin é mesmo um mafioso. O que eu não estou a imaginar na analogia, é Fernando Medina a fazer o mesmo que o autarca checo fez, cá por Lisboa, ali para as redondezas da Rua Visconde de Santarém. Também é verdade que os russos, desde 1990, não se têm metido muito connosco.

29 abril 2020

UMA EXCELENTE IDEIA, PORÉM PREMATURA

29 de Abril de 1960. Uma notícia na secção especializada do jornal desse dia dava conta de uma iniciativa da construtora francesa Simca, promovendo uma prova de economia nos Estados Unidos de um dos seus modelos mais atractivos para esse mercado. Tratava-se de um período em que as marcas francesas se mostravam de uma grande agressividade comercial: numa outra página desse mesmo jornal a Citroën anunciava o seu emblemático 2CV em versões de Luxo (41.500$) e Grande Luxo (43.900$). A ideia de chamar a atenção do consumidor americano para a a economia dos consumos das viaturas da Simca (6,2 litros aos 100 km) era conceptualmente bem fundada, porém prematura. A preocupação do automobilista americano de 1960 concentrava-se noutros detalhes que não a questão do custo do combustível. E isso era evidente no contraste estético entre o Simca-Étoile que realizara o teste e a viatura que arrebatara o gosto da América no ano anterior: o Cadillac Coupe de Ville e a sua também emblemática traseira em rabo de peixe (abaixo). O nome também era francês mas era só isso: o consumo era o dobro do Simca: 13,8 litros aos 100 km (!). Mas não seria factor que parecesse incomodar o automobilista americano típico. Nem a Simca, nem a Citroën, nem a Renault ou a Peugeot vingaram naquele mercado. Só dali por 13 anos, com a crise petrolífera do Outono de 1973, é que nos Estados Unidos se passou a prestar atenção ao que custavam os combustíveis. Mas nessa altura já as marcas francesas se haviam dispersado por outros lados. Foram sobretudo as marcas japonesas a aproveitar a ocasião em que os automobilistas americanos se interessaram finalmente por carros económicos.

28 abril 2020

DA ÉTICA DE NIXON À INTELIGÊNCIA DE TRUMP

Miguel Esteves Cardoso admite na sua crónica de hoje no Público que mudou de opinião sobre Trump: «ainda é mais estúpido e vaidoso do que (ele) pensava». Donald Trump é um superlativo e, quando nos surpreende, é por ser um superlativo ainda mais excessivo, um comportamento que precisa ser registado em papel semi-logarítmico. É sempre difícil adivinhar quais os seus momentos que vão ficar registados para a posterioridade, mas a passagem acima recente, em que o presidente americano discorre livremente sobre métodos de tratamento para o coronavírus, parece-me uma boa hipótese. Não propriamente pelo conteúdo científico do que diz - como de costume, não se percebe muito bem sequer o que Trump quer dizer, porque não tem vocabulário para formular as suas ideias com precisão - mas por aquela passagem final - que não aparece no video acima - em que se gaba de perceber de muita coisa. É um momento televisivo que, para mim, rivalizará com aquele em Novembro de 1973 em que Richard Nixon apareceu a afirmar enfaticamente que não era um escroque: «I am not a crook.» Por sinal, como as revelações do Caso Watergate vieram a comprovar, era mesmo um escroque. A vantagem aqui, e como Miguel Esteves Cardoso o descreve, a estupidez e a vaidade de Trump não são um segredo escondido num gabinete da Casa Branca.

27 abril 2020

OS ANIVERSÁRIOS ENCADEADOS DE SALAZAR

27 de Abril de 1940. Cumpriam-se naquele dia doze anos que Salazar assumira a pasta das Finanças e no dia seguinte era o dia do seu 51º aniversário. Como se de uma prenda de aniversário antecipada se tratasse, o Diário de Lisboa, mesmo tomado por um jornal que não seria muito conivente com a situação, reservava quase uma metade do espaço nobre das páginas centrais daquela edição a uma apreciação muito positiva do que havia sido essa dúzia de anos de administração financeira do presidente do Conselho. Pelo que se pode subentender do gesto e da magnificência do elogio, por esta época, e considerada a volatilidade da situação política internacional (a Segunda Guerra Mundial em curso), haveria um certo consenso em preservar a situação política vigente, apesar dos poderes de que Salazar se viera a apropriar. Costuma dizer-se com ironia que Salazar era presidente de um Conselho de Ministros que nunca se reunia. Sempre foi verdade, mas importa esclarecer que em Abril de 1940 essas reuniões ministeriais seriam relativamente supérfluas pois, para além de presidir ao Conselho (desde 1932), Salazar acumulava as pastas importantes do Ministério: a das Finanças (1928), a dos Negócios Estrangeiros (1936) e a da Guerra (1936). Salazar sozinho protagonizava aquilo que hoje os jornais denominariam por um Conselho de ministros restrito. Mas isso, claro, não era evocado nesta página acima...

O que aparecia evocado, e isso já é um pormenor colaterar ao conteúdo essencial deste poste, é uma notícia de uma cerimónia que se enquadrava nas homenagens a Oliveira Salazar e que tivera lugar no quartel do Carmo, sede da Guarda Nacional Republicana (GNR). Tratara-se do descerramento de dois retratos, um do chefe do governo (Oliveira Salazar) e o outro do ministro da tutela (Mário Pais de Sousa). Nomeados pela notícia, encontramos naturalmente o comandante da corporação, o brigadeiro Monteiro de Barros, que proferiu o discurso que abaixo se pode ler, o coronel seu adjunto, mais dois tenente-coronéis, quatro majores, um capitão e... o tenente Spínola. Já aqui falámos da popularidade precoce do futuro marechal. Voltamos a encontrá-la, cinco anos mais cedo, a essa predisposição de António de Spínola, mesmo ainda oficial subalterno, para não passar desapercebido.

26 abril 2020

NÃO! NÃO!... NÃO!... ISSO NÃO!

HÁ ONZE DIAS QUE «NÃO MORRE NINGUÉM» DE CORONAVÍRUS NA CHINA...

É provável que o leitor já se tenha esquecido, mas há umas meras doze semanas, o grande cabeçalho noticioso a respeito da expansão do coronavírus é que ocorrera a primeira morte fora da China. Mas nesse hiato de tempo, a doença terá sido tão bem dominada no país onde começou, que há onze dias que ninguém morre...  A China conta com mais de 1.400 milhões de habitantes, mas a a pandemia está oficialmente controlada. Outros países onde ela se está a registar deparam-se com mais dificuldades em controlá-la: em Espanha, por exemplo, que tem 30 vezes menos população do que a China, mostra-se satisfação por terem morrido tão poucas pessoas nestas últimas 24 horas - mas, mesmo assim, houve 288 mortos. Mas na China, recorde-se mais uma vez, há onze dias que não morre ninguém. Deixemo-nos, porém, de continuar com estas ironias, porque de nada vale criticar o comportamento das autoridades chinesas mais as imbecilidades que nos tentam impingir. Como acontece com qualquer autoridade, já de há muito se percebeu que elas têm uma relação muito pouco saudável com a Verdade. Em tese, todas as autoridades a terão, mas eles, porque são uma ditadura, têm-na mais e permitem-se ira a outros extremos para a condicionar - à Verdade. Numa ditadura, as mentiras as ditaduras tendem a ser muito mais grosseiras*. É por causa disso que a imprensa chinesa não usufrui de qualquer grau de liberdade. Mas a Agência Lusa não é chinesa. Portanto, quando a vemos a emitir notícias que, sendo oficiais, são tão obviamente falsas que são ridículas, tenho uma certa dificuldade em perceber qual é o papel de agências como a Lusa nos dias que correm. Caixa de ressonância? Amplificador de som? Uma espécie de organização-alibi sobre a qual se pode descarregar a responsabilidade da publicação das aldrabices?

* Já deu para reparar que é o facto de as mentiras da administração Trump costumarem ser tão grosseiras que nos induz a reagir instintivamente como se os Estados Unidos vivessem sob uma ditadura.

A RENDIÇÃO DO MARECHAL PÉTAIN

26 de Abril de 1945. Muito longe das frentes de batalha ainda activas por essa Europa fora, a pequena povoação fronteiriça suíça de Vallorbe assiste à chegada de um pequeno cortejo automóvel a perturbar a tranquilidade local. Do outro lado da fronteira, do lado francês, a pacatez não é tanta: 150 gendarmes, vindos directamente de Paris, assumiram posições defensivas. A oito quilómetros de distância, na estação de caminhos de ferro de Hôpitaux-Neufs - Jougne, um comboio especial aguarda. O cortejo conduz o marechal Philippe Pétain que até um ano antes fora a figura emblemática da França de Vichy, aclamada pelo povo francês. Mas as vicissitudes da guerra haviam transformado isso tudo: a comitiva que acompanha o marechal é relativamente pequena: o próprio e a esposa, o general Debeney e o almirante Bléhaut e ainda seis empregados. Depois de uma pequena refeição e de acordo com o que ficara estabelecido, às 19H30, o cortejo automóvel retoma o curso em direcção a França. Um pequeno destacamento militar suíço presta as suas homenagens a Philippe Pétain. É nesse momento que a fotografia acima foi captada. Foram os últimos momentos de reverência ao antigo chefe do Estado francês. A recebê-lo do lado francês está o general Koenig, o governador militar de Paris. À chegada da viatura e à saída desta do marechal, saúda-o com uma inclinação deferente e uma continência - «Mes respects, monsieur le Maréchal.» - mas deixa-se ficar em sentido para não corresponder à mão que Pétain lhe estende para o cumprimentar. Em contraste, os gendarmes permanecem na posição de descansar-arma, sem saudar o recém-chegado de acordo com a alta patente que possui. O casinhoto da beira de estrada é o local escolhido para lhe serem lidas as acusações que sobre si pendem. Só depois o cortejo prossegue até à gare, onde toda uma carruagem foi posta à disposição do casal Pétain, não por cortesia, mas por razões de segurança. O comboio arranca às 21H30. Chegará a Paris na madrugada do dia seguinte. O casal ficará detido no forte de Montrouge até ao início do julgamento, que apenas começará dali por três meses (23 de Julho de 1945). Mas isso será toda uma outra história...

25 abril 2020

O DIA DA LIBERTAÇÃO DE ITÁLIA

25 de Abril de 1945. Depois de um percurso particularmente sinuoso quantos aos seus alinhamentos - (1), (2), (3), (4), (5), (6) - no quadro do grande conflito que foi a Segunda Guerra Mundial, em Itália escolheu-se este dia, quase no fim dos combates, para assinalar o Dia da sua Libertação. É festejado desde há quase 75 anos. Este ano, e por causa das circunstâncias óbvias, as celebrações foram muito restringidas, como se dá conta no jornal La Reppublica. A presidente do Senado deixa, abaixo, uma mensagem alusiva às bodas de diamante desta data. Claro que não há celebrações populares.

24 abril 2020

SÓ PARA VERDADEIROS EX-MAOISTAS...

24 de Abril de 1970. Lançamento do primeiro satélite artificial pela China. Já aqui contei a história do acontecimento, que contém requintes do mais puro kitsch marxista-leninista vermelho-amarelo (por contraste com o kitsch marxista-leninista vermelho-vermelho russo). A ideia peregrina de pôr o satélite a retransmitir infindamente os primeiros acordes do hino «O Oriente é Vermelho» nunca cessou de me maravilhar... O documentário acima tem seis minutos e meio e não desmerece o padrão estético que então embevecia tantos intelectuais portugueses da geração de (19)70.

QUANDO AS NOTÍCIAS SÃO IMPORTANTES...

24 de Abril de 1990. Ofuscada pela profusão de notícias que dão conta das cerimónias domésticas a ter lugar no dia seguinte, a discreta notícia de primeira página acima do Diário de Lisboa, dá conta que a Alemanha Ocidental, «o governo de Bona concordou em converter a moeda alemã oriental em marcos alemães ocidentais, à taxa de câmbio de um-para-um.» Contudo, devido às circunstâncias da paginação, o desenvolvimento da notícia teve que ser remetido lá para o interior na página 10, mas não sem deixar vincado previamente, porventura consequência da inércia das simpatias ideológicas, que se tratara de uma cedência «a pressões da República Democrática Alemã». Na verdade, e como os acontecimentos viriam comprovar, a "linha das trincheiras" passava por dentro do próprio governo da Alemanha Federal, em que a fracção política, encabeçada pelo próprio chanceler Helmut Kohl se confrontava com a fracção técnica da economia e finanças que contrariava a ideia de sobrevalorizar de maneira tão excessiva a divisa da antiga Alemanha comunista. Fora a fracção de Helmut Kohl que triunfara e o tempo encarregar-se-ia de demonstrar que, ao contrário das ilusões de quem escrevia estas coisas socialisto-líricas no Diário de Lisboa, a capacidade de pressionar os acontecimentos dos governantes este-alemães era, naquela altura, assaz diminuta.
Mas o que na altura não se sabia é o quanto a consequência desta decisão iria ficar registada para a posterioridade. Comprovava-se que na Alemanha nem todos são assim tão quadrados e que há quem possa pensar para além das regras rígidas das finanças. Desde este momento e quando há crises na União Europeia e os alemães se recusam a negociar certo tipo de soluções, tornou-se evidente que os alemães não as aceitam porque não querem transigir, e não porque não as conseguem compreender, como havia sido a sua linha de argumentação do passado. Atente-se, para exemplo, neste caso mais recente da sua recusa obstinada na mutualização da dívida dos países do Euro. Trata-se de uma decisão política e não se deve ao facto dos alemães serem financeiramente muito rigorosos. Há trinta anos não o foram...

OPERAÇÃO «EAGLE CLAW»

24 de Abril de 1980. Operação Eagle Claw. O melhor desta operação era mesmo o nome: garra de águia. Obviamente, ainda teria sido melhor se ela tivesse atingido os seus objectivos, ou seja: libertar furtivamente os reféns americanos que os iranianos mantinham captivos em Teerão desde há cinco meses e meio. Só que uma operação destas teria que ser necessariamente complexa, e uma operação desse jaez tem uma terrível propensão a correr mal. E, tendo essa propensão para correr mal, teria sido avisado avaliar as consequências políticas e de imagem de um fracasso. Ou, se calhar, isso foi devidamente avaliado, e houve uma fracturante diferença de opiniões: o presidente Jimmy Carter, apoiado pelo seu conselheiro de segurança nacional Zbigniew Brzezinski, decidiu-se a autorizar a operação, mas isso custou-lhe o secretário de Estado Cyrus Vance, que se demitiu. No terreno, ou seja no Irão e durante a noite, que a operação era obviamente clandestina, as coisas também correram mal. Três dos oito helicópteros de grande porte escolhidos para resgatar os reféns tiveram problemas de funcionamento, o que colocaria problemas de lotação no transporte dos reféns. Carter já autorizara que a operação fosse abortada quando, na evacuação, um dos aviões de reabastecimento colidiu com um dos helicópteros: na explosão e incêndio subsequentes morreram oito militares americanos. No terreno ficaram as carcaças calcinadas das duas aeronaves (acima) e ainda cinco helicópteros CH-53 mais ou menos intactos que os desmoralizados americanos deixaram para trás (dois deles ainda estão ao serviço dos iranianos). Mas, se militarmente fora mau, quando a notícia do fiasco foi conhecida, há 40 anos, aí é que as consequências de imagem se fizeram sentir no prestígio da América, como se pode constatar neste trecho desta reportagem televisiva, feita por uma equipa ocidental, mas com a complacência conivente das autoridades iranianas, logo no dia seguinte aos acontecimentos. A seguir à imagem humilhante dos reféns da embaixada, e numa tentativa precisamente para os resgatar, a imagem mundial da superioridade americana fora novamente arrasada e isso revelava-se muito pior do ponto de vista político do que do militar.

23 abril 2020

KARL-MARX-STADT (A CIDADE DE KARL MARX, que deixou de ser de KARL MARX)

23 de Abril de 1990. A cidade saxónica de Chemnitz volta, por decisão de 76% dos seus habitantes convidados a pronunciar-se em referendo, a adquirir o seu nome histórico de sempre. Desde 10 de Maio de 1953 e até aquele ano e por decisão do comité central do SED (partido comunista) e do governo da República (dita) Democrática Alemã, a cidade fora rebaptizada com o nome de Karl-Marx-Stadt (a cidade de Karl Marx). A ironia da História (e a ironia é coisa que tradicionalmente costuma escapar aos comunistas...) é que Karl Marx não tinha nada a ver com Chemnitz: ele nascera em Tréveris, na Renânia, do outro lado da Alemanha (mapa acima) e não consta na sua biografia que alguma vez tivesse ali posto sequer os pés. Pouco importaria e durante 37 anos a cidade ostentou o nome glorioso do fundador da doutrina até que os seus habitantes - operários, camponeses, proletários e os outros todos... - tiveram a primeira oportunidade de se pronunciar quanto à denominação: chama-se a isso Democracia, oh camaradas!

22 abril 2020

OBÉLIX & COMPANHIA

A notícia de ontem da cotação negativa do barril de petróleo fez-me lembrar este outro episódio do colapso da cotação do menir em Obélix & Companhia. Quem conhece aquela imbatível história saberá ao que me refiro, quem a não conhece, sugiro que a leia. É nestas ocasiões que reforço a minha opinião - já aqui expressa por mais do que uma vez - que René Goscinny teria merecido o Prémio Nobel da Economia.

ADOLF HITLER APERCEBE-SE FINALMENTE QUE VAI PERDER A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Domingo, 22 de Abril de 1945. É neste dia de há 75 anos que tem lugar no bunker de Hitler a famosa reunião em que ele terá tido um enorme ataque de raiva ao aperceber-se que as ordens que emitia já não eram obedecidas. A cena, reconstituída no filme A Queda (Der Untergang, de 2004), tornou-se em muito mais do que um sucesso cinematográfico: tornou-se um verdadeiro meme da internet a que frequentemente se recorre para enfatizar ou parodiar a inaceitabilidade de qualquer coisa. Sessenta anos depois de ter acontecido (ou não...) incorporou-se a convicção generalizada que Adolf Hitler terá tido aquele momento revelador do seu colapso iminente. Por acaso, as fontes desdobram-se em versões distintas quanto ao que terá acontecido naquele dia e quanto ao que terá sido a reacção do Führer.

Existe um completo consenso quanto à impossibilidade do que poderia ter resultado da actuação das forças sob o comando do obergruppenführer Steiner, uma heterogénea vintena de milhares de homens, desde tripulações dos navios de guerra, ancorados agora inutilmente no Báltico, até voluntariosos estudantes de liceu. Mas faltava-lhes tudo o resto: blindados, artilharia, camiões, combustível. Para enfrentar as colunas blindadas soviéticas só dispunham de armamento ligeiro, munições racionadas, granadas de mão e os panzerfaust, esses sim de utilidade. Longe de poderem atacar de Norte para Sul como Hitler lhes mandara, o que eles tiveram que fazer foi recuar para não serem atacados no seu flanco esquerdo pelas colunas soviéticas que se aproximavam de Leste.

As diferenças começam pela forma como foi comunicado a Hitler a notícia do insucesso da ofensiva de Steiner e, sobretudo, a reacção daquele à notícia. Convém ter presente que, entre os participantes directos da proclamada fúria de Hitler (aqueles que permaneceram na sala), o próprio Hitler, Martin Bormann, os generais Krebs e Burgdorf irão morrer ainda antes do fim do fim da guerra; os dois únicos sobreviventes (provisórios...) serão o marechal Keitel e o general Jodl. Serão eles os únicos a deixar depoimentos do que acontecera, antes de virem a ser executados em Nuremberga em 1946. E os depoimentos de ambos são mais sóbrios quanto à reacção que Hitler terá tido. Foi um choque mas terá sido menos histriónico. O que ambos ressaltam que dali saiu de importante foi o anúncio da sua decisão de que afinal não iria sair de Berlim quando tudo estava preparado para que ele abandonasse a capital para se refugiar em Berchtesgaden, no extremo Sul da Alemanha. O isolamento de Hitler numa cidade cercada, quiçá impossibilitado de comunicar com o exterior, mudaria muita coisa do ponto de vista político na Alemanha nazi. E foi por isso que, presentes na antecâmara, o general Christian da Luftwaffe se apressou a telefonar a Hermann Goering, o almirante Voss telefonou de imediato a Karl Doenitz, o embaixador Hewel pôs-se em contacto com Ribbentrop e o brigadeführer Fegelein avisou Heinrich Himmler. Esse frenesim telefónico é plausível e até mesmo provável que tenha tido lugar há precisamente 75 anos. A fúria de Adolf Hitler, que foi tão bem interpretada pelo actor Bruno Ganz, essa queremos acreditar que sim.

21 abril 2020

A NOTÍCIA QUE VENDE

Quanto à origem do vírus, parece que não há nada a fazer. Porque o que interessa não é esclarecer os leitores, antes alimentar a paranóia dos já tem ideias formadas a respeito do assunto. Ao contrário do que escreve acima o jornalista do Observador*, a «tese» do vírus criado artificialmente não foi apenas «desmentida por vários cientistas». Foi desmentida por quase todos os cientistas a que se reconhece poderem pronunciar-se sobre o assunto com autoridade. Que se dizem cansados de o repetir vezes sem conta, apresentando argumentos que continuam a não convencer os cépticos. Que, convém esclarecer, não percebem ou não querem perceber nada do que se lhes explicou, chamar-lhes cépticos funciona até como um elogio, porque, no fundo, são apenas idiotas a quem se presta demasiada atenção. Mas, descontando aquela esmagadora maioria de cientistas que acha que o covid-19 tem origens naturais, deve sobrar este «controverso virologista francês», que diz precisamente aquilo - uma boa teoria da conspiração! - que interessa a um jornal que precisa de chamar a atenção sobre si. E é a opinião deste último que é publicada. Não por estar cientificamente mais sustentada que as outras (pelo contrário), mas porque se encaixará com as convicções íntimas de quem a escreve e/ou com a sua percepção do que é que o seu leitor tipo gostará de ler. Observado assim vê-se o quanto a informação pode ser um negócio sórdido.

* Edgar Caetano. É um jornalista... medíocre. Veja-se este exemplo. Ou este exemplo.

Adenda: Dois dias depois, o mesmo jornal, por intermédio de Ana Suspiro e Beatriz Ferreira, mostra que, quando quer, também pode produzir coisas úteis e esclarecedoras...

A INAUGURAÇÃO DE BRASÍLIA

21 de Abril de 1960. O Brasil, sob a presidência de Juscelino Kubitschek de Oliveira, transfere a sua capital da cidade do Rio de Janeiro para Brasília, uma cidade construída de raiz expressamente para essa função e situada a cerca de 1.200 km para Noroeste daquela que fora a capital durante os últimos 150 anos. A escolha da localização mostrava uma nítida preocupação em recentrar o centro político do Brasil mais de acordo com a sua configuração geográfica (mapa abaixo).
Nesse aspecto, as espectativas eram porventura demasiado ambiciosas. Sessenta anos depois o Brasil continua a ser o país predominantemente fixado no litoral com a configuração que os colonizadores portugueses lhe deram de origem (mapa abaixo). Contudo, algo coisa mudou: as populações fixadas nas Grandes Regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, que em 1960 representavam 8% da população brasileira, hoje representam 16,5% dessa população, que entretanto triplicou de 70 para 210 milhões.

BARRIL DO PETRÓLEO A PREÇOS NEGATIVOS!!!

Eu nunca sonhei assistir a uma cena como esta, em que a cotação do barril de petróleo colapsou dos 18 dólares até aos 38 dólares negativos. Conhecer, ainda que por alto, as questões do comércio mundial do petróleo, nomeadamente o facto de a sua cotação ser estabelecida por barril (159 litros), foram uma novidade do Outono de 1973, quando os países membros da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) impuseram um embargo às maiores economias do mundo ocidental, desencadeando uma crise económica. Desde aí, a cotação do barril de petróleo é um dos indicadores que tem sido por vezes causa, mas mais frequentemente consequência, dos ciclos da economia global. Mas nunca nestes 47 anos a cotação chegou a um valor negativo, ou seja, o (aparente) absurdo de serem os produtores a terem que pagar para que alguém lhe compre o petróleo - como se explica na notícia do The Guardian o absurdo é só aparente: sem haver consumo, aquilo que se tornou mais precioso em todo o tradicional circuito logístico do petróleo são os pontos de armazenamento, que neste momento estão saturados. Recorde-se que o barril de petróleo chegou a ser transaccionado a 69 dólares em Janeiro deste ano, antes da pandemia. Ontem, também pontualmente, chegou a propor-se que alguém recebesse 38 dólares, para ficar com um deles no próximo mês...

20 abril 2020

A INVASÃO DE HAINAN

20 de Abril de 1950. Uma das interessantes mas discretas notícias daquele dia era a situação que se vivia na ilha chinesa de Hainan, no extremo sul da China. Com uma área de 32.900 km2 (o tamanho da Bélgica) e habitada na época por pouco mais de 2 milhões de habitantes, a ilha permanecera uma das poucas regiões da China que ainda se mantinha sob controle de autoridades nacionalistas. Se o resto da China continental constituía agora a República Popular da China (comunista), também era verdade que na questão específica das capacidades anfíbias dos exércitos comunistas, elas se haviam revelado insuficientes para conseguir derrotar as guarnições nacionalistas existentes em algumas das ilhas existentes ao longo da costa da China. Já aqui se mencionou o exemplo de Quemoy e de como essa vitória defensiva desencadeara expectativas entre os nacionalistas (e entre os seus aliados norte-americanos) na subsistência de um regime chinês alternativo, que exercesse a sua autoridade sobre uma China insular. Nesse projecto, a ilha de Hainan, com os seus 32.900 km2 e com os seus 2 milhões de habitantes constituiria, com Taiwan ( 35.800 km2 e 7,5 milhões de habitantes), um dos dois núcleos principais. O problema é que Hainan colocava problemas tácticos para ser defendida que contrastavam com a posição de Taiwan (a ilha está muito mais próxima das costas da China - o estreito de Qiongzhou tem uma largura em média de 30 km) e com a posição de Quemoy (que por ser muito menor tem um perímetro defensivo muito mais fácil de guarnecer). Pior, Hainan situa-se a 1.250 km de Taiwan (o que é o quíntuplo da distância entre Quemoy e Taiwan), o que tornava mais complicada a questão dos reforços. Como se pode perceber pelo mapa abaixo, o exército invasor contornou o problema da falta de meios anfíbios abusando da sua superioridade numérica. Em vez de um grande desembarque inicial, posteriormente reforçado, eles foram lançando, desde o princípio do mês de Março de 1950, sucessivas vagas de desembarque na ilha em locais distintos, desembarques esses que obrigavam ao empenho progressivo da guarnição de defesa para as conter nas praias mas em locais dispersos. Não se afigura uma táctica brilhante, mas funcionou. A prazo, o número de assaltantes continuou a crescer porque os nacionalistas não conseguiam interditar a navegação no estreito de Qiongzhou aos invasores comunistas e tornou-se impossível que os defensores mantivessem a coordenação da sua defesa dada a multiplicação dos desembarques e dos locais ameaçados. A notícia do Diário de Lisboa de há 70 anos, da perspectiva da situação quando apreciada pelos nacionalistas, não era, por isso, nada optimista. Poucos dias depois o general nacionalista Xue Yue iria dar ordens para que as forças que o pudessem retirassem e embarcassem para Taiwan.

19 abril 2020

O ATENTADO DE OKLAHOMA

19 de Abril de 1995. Atentado de Oklahoma. Provocou 168 mortos e mais de 680 feridos. Mas o que de mais importante o atentado me veio mostrar foi a constatação de como a ideologia americana - the american way - também produzia as suas aberrações radicais, naquele caso consubstanciada na surpreendente banalidade do percurso de vida do principal autor do atentado: Timothy McVeigh. Por décadas a fio, e sobretudo ao longo dos 45 anos que durara a Guerra Fria, os Estados Unidos haviam conseguido vender a imagem que o terrorismo doméstico era um fenómeno que praticamente não os afectava. Houvera fenómenos pontuais, quase caricatos, como o exército simbionês de libertação (que raptara a herdeira Patrícia Hearst e a pusera a assaltar bancos), mas nada houvera que se equiparasse à seriedade e gravidade das acções de organizações como o IRA no Reino Unido, a ETA em Espanha, as Brigadas Vermelhas em Itália ou a RAF na Alemanha Ocidental. Fora essa a versão que se construíra e consolidara quanto aconteceu este atentado, cujo autor reclamava ter perpetrado em nome dos valores mais entranhadamente americanos da América. Não se tratava de uma organização ao estilo europeu, mas era patente que não era preciso uma para causar uma devastação como a que se registara. Por detrás deste atentado, e por detrás das naturalíssimas reacções de repulsa, instalou-se um ambivalente silêncio quanto a discuti-lo na perspectiva ideológica. Seis anos depois, em Setembro de 2001, essa ambivalência veio a expor-se em toda a sua hipocrisia: com os atentados contra o WTC, já se podia ser cristalino quanto ao que motivara os terroristas, quem haviam sido os maus, onde é que estavam os bons.

18 abril 2020

O DIA EM QUE NÃO HOUVE NOTÍCIAS

18 de Abril de 1930. Foi uma Sexta Feira Santa, que a Páscoa nesse ano celebrou-se bastante tarde (a 20 de Abril). A data é hoje recordada pelo discreto boletim noticioso radiofónico da BBC às 18H30: «Boa Noite. Hoje é Sexta Feira Santa. Não há notícias.». E seguiu-se uma peça musical de piano para ocupar o tempo que as notícias tomariam. Nós nem nos apercebemos do quanto a inexistência de um discreto pacote de notícias se torna num aborrecimento, obriga a esforços de imaginação para ocupar o espaço que lhes costuma ser dedicado. Em Portugal, ainda não havia emissões radiofónicas regulares (só começaram em 1935), mas, mesmo assim, é possível compreendermos a pasmaceira noticiosa que deve ter sido este dia 18 de Abril de há 90 anos. No Diário de Lisboa, e para encher o espaço em branco, destacara-se uma equipa de repórteres para fazer uma reportagem, extensa, sobre a matança de animais que tivera lugar no matadouro municipal: 2.872 rezes mortas; o preço da vitela (iria) baixar; amanhã (haveria) toiros de morte. - «...a matança de 35 toiros, o que constitui um espectáculo emocionante, pelas dificuldades que os putilleros encontram, e pelos incidentes que as correrias e a bravura das rezes sempre provocam.» Está-se bem a ver! À falta de melhores notícias, sugeria-se ao leitores que fossem ao matadouro seguir à actuação dos magarefes, rivalizando com a dos diestros do campo pequeno!
Em comparação e retrospectivamente foi a prática honesta da BBC que se perdeu, deixando muitas saudades. Nos dias em que não há notícias, inventam-se.

O GOLO COM O BRAÇO DE VATA: UMA GRANDE ALDRABICE COLECTIVA

18 de Abril de 1990. O Benfica disputa no estádio da Luz a segunda mão da meia final da taça dos campeões europeus contra o Olympique de Marselha. O Benfica apura-se para a final vencendo o jogo por 1-0, com um golo marcado a sete minutos do fim da partida mas marcado descaradamente com o braço pelo seu jogador Vata (imagens acima). E, contudo, o que considero mais chocante é a atitude cúmplice do comentador televisivo (Gabriel Alves), que comenta as imagens da repetição da jogada como se nada ali houvesse de irregular. O árbitro acabara de cometer um erro de palmatória mas, como esse erro favorecia a equipa portuguesa, entre toda a comunicação social portuguesa mandava-se a verdade, a ética e tudo o resto às malvas. Nos jornais do dia seguinte (abaixo), o trocadilho cúmplice era quase uma obrigação na redacção do título da notícia... A sorte deu uma mãozinha. Como se comprova, do ponto de vista ético, o que é aceitável em futebol é vergonhoso - porque nem sequer é sujeito às críticas que se costumam fazer à política.
Do lado francês, diante de tal erro, não se continha a indignação e pululavam aliás as queixas e os apelos à ética desportiva. Tinham razão. Mas em futebol tudo é relativo. Dúzia e meia de anos depois foi a vez da selecção francesa se apurar através de um golo irregular de Thierry Henry, um golo com algumas semelhanças com o que acontecera com Vata: o francês também usou o braço e a mão para acondicionar mais comodamente a bola na pequena área do adversário e torná-la jogável. As imagens mostravam-no: o golo resultante era tão visivelmente irregular quanto o fora o do angolano do Benfica. Mas isso já não parecia ser um problema dos franceses, antes do irlandeses que haviam sido eliminados do campeonato do Mundo de 2010 (abaixo). Note-se que esta segunda parte da história só serve para esclarecer que não tenho pena nenhuma dos franceses, não serve para absolver aquilo que considero ter sido a escroqueria de há 30 anos.

17 abril 2020

A FACTURA DA EXECUÇÃO

Esta é uma factura discriminada de uma execução resultante de uma sentença de um Tribunal Popular da Alemanha nazi (Volksgerichtshof). O executado chamava-se Erich Knauf (1895-1944). Fora condenado à morte por «sabotar a moral militar e denegrir a pessoa do Führer.» Aparentemente alguém o denunciara por falar demasiado alto e dizer coisas demasiado provocadoras quando a população se concentrava nos abrigos anti-aéreos, durante os bombardeamentos. A execução - por decapitação - teve lugar a 2 de Maio de 1944. A factura, na importância total de 585,74 Reichmarks foi enviada à sua viúva, Erna, residente então na Manfred-von-Richtoffen-Strasse nº 13, em Berlim. Não consegui apurar se chegou a ser paga. Só há uma entrada na wikipedia a respeito deste assunto, na versão em inglês, e, falando dos casos modernos da China e do Irão, não refere este exemplo histórico da Alemanha nazi.

16 abril 2020

SERÁ QUE AS DESCULPAS DE SÉRGIO FIGUEIREDO FORAM ASSIM TÃO SINCERAS?

Um destes dias a TVI publicou uma notícia em que, a propósito das causas para que a região do Norte de Portugal fosse mais castigada pela pandemia do covid-19, se escrevia em rodapé que a população daquela região era «menos educada, mais pobre, envelhecida e concentrada em lares». A reacção terá sido tal que isso foi razão para que o telejornal do dia seguinte tivesse começado por um extenso e penhorado pedido de desculpas apresentado por José Alberto Carvalho (acima). Mais do que isso, o próprio director de Informação da TVI, Sérgio Figueiredo, emitiu um comunicado com um contrito, desenvolvido e humilde pedido de desculpas - «Com a mesma humildade que a todos pedimos desculpas por um erro que somos os primeiros a lamentar,(...) - como se pode ler quase a terminar o texto. E eu, que não sou de coisas, mas que sou propenso a associações soltas, lembrei-me de um outro episódio protagonizado pelo mesmo Sérgio Figueiredo aqui há coisa de uns quatro anos, numas audições numa comissão parlamentar em que o vi muito menos humilde a renegar que a mesma TVI tivesse feito merda por ocasião de notícias que a estação de televisão dera a propósito de um próximo encerramento do Banif (em Dezembro de 2015). Aliás, dos factos então ocorridos, o ministério público deduziu acusação e Sérgio Figueiredo vai mesmo ser julgado por isso. Mas em Maio de 2016 a coisa passava-se ainda apenas ao nível de uma comissão parlamentar e as respostas de Sérgio Figueiredo eram de uma soberba que era tão inesquecível quanto contrastante com esta sua atitude desta semana. Para que as duas situações se emparelhassem ainda mais, seleccionei abaixo as respostas de Figueiredo ao ex-deputado do PSD Carlos Abreu Amorim, que é um homem do Norte, daqueles com sotaque identificativo da sua origem...

O NOVO «GURU» DA CORONAHISTERIA (3)

Esta parece ser a edição de Abril do tradicional artigo alarmista, de fundo vagamente científico, que o Observador começou a publicar desde que se declarou a pandemia. A versão do mês passado, que foi publicada a 15 de Março, era, recorde-se, da autoria de um senhor matemático chamado Jorge Buescu e preconizava o apocalipse até ao fim daquele mês. E depois não houve apocalipse. Embora o Observador não tivesse procedido ao fact-check das profecias do Bandarra previsões do Buescu (como se imporia!), a demissão da função do jornal em escrutinar o que havia de verdade naquilo que publicara não impediu, por isso, que a reputação de Jorge Buescu tivesse colapsado ao nível da reputação de um Vítor Gaspar - só que em apenas um mês. Em suma, Buescu foi descartado para reciclagem pelo Observador e, para a edição do artigo assustador deste mês, foi substituído por um senhor chamado Pedro Caetano que, depois do matemático, é um epidemiologista que também é muita bom: ainda não nos explicou ao que vem e já nos atirou com Harvard e Oxford para cima da mesa. O que estes artigos têm de bom é que estão cheios de gráficos, mas não é preciso interpretá-los porque a conclusão está logo no título: Portugal é um dos países mais perigosos do mundo na Covid-19 (!). A partir de tal evidência, entra José Manuel Fernandes a aproveitar-se do assunto e a esclarecer o leitor dois artigos mais abaixo porque é que a culpa é do Costa; a culpa do Costa é o axioma do Observador, o único aspecto verdadeiramente científico daquele jornal. A questão do Covid é que nem por isso... e por isso nem merece a pena ler aquilo que escreve o fármaco-epidemiologista de Harvard e Oxford: sabe-se lá se ele em 15 de Maio ainda estará a escrever para o Observador?... A questão é que as pessoas têm acompanhado os dados da evolução da pandemia e o que acontece por cá quando em comparação com os outros países (algo que não exige propriamente conhecimentos de engenharia aeroespacial ou física quântica). Portanto as reacções de acolhimento ao que está lá escrito têm-se dividido entre as científicas (porque é que eu tenho que rever tudo aquilo que se concluiu até agora?) e as teológicas (esta é que é a verdadeira demonstração de que Portugal é sempre a mesma merda de sempre!).

A BATALHA DE BERLIM

16 de Abril de 1945. Os soviéticos dão início à sua derradeira ofensiva sobre Berlim. Atacam com uma vantagem de efectivos de 3 para 1. Em termos materiais, número de blindados e de aviões, ou peças de artilharia, essa vantagem é ainda mais ampla. Vários livros contam essas últimas três semanas do III Reich, entre os quais estes três cá de casa.
The Last Battle (1965) - Excelente tradução portuguesa de 1966 do tenente-coronel Augusto Pastor Fernandes. Quando as editoras portuguesas entregavam a tradução a quem conhecia o idioma e percebia do tema
The Fall of Berlin (1992)
Berlin The Downfall 1945 (2002)

15 abril 2020

É IMPORTANTE QUE OS ECONOMISTAS TAMBÉM CONTENHAM UMA ETIQUETA COM O PRAZO DE VALIDADE...

Um dos aspectos mais agradáveis do elenco de 25 economistas que foram ontem consultados pelo primeiro-ministro é que não apareceram na lista muitos nomes sonantes. Há alguns que aparecem, mas a maioria são desconhecidos do grande público. E não há por lá daquelas personalidades que a comunicação social costuma ir auscultar quando destas ocasiões. De que as audiências já ouviram falar porque foram - quase sempre- antigos ministros das Finanças. E que, não raro, se notabilizaram naquele cargo por uma prestação verdadeiramente medíocre - estou-me a lembrar em concreto dos exemplos de João Salgueiro (85 anos) ou de Bagão Félix (72 anos). Mas, neste caso, o governo parece realmente interessado em ouvir realmente as ideias de quem esteja na pujança das suas capacidades intelectuais. E não propriamente em montar uma cenografia, debitando nomes de quem a opinião pública toma por entendidos, apenas por os conhecer da TV e dos jornais. Porque não vi isto feito em nenhum jornal, tentei encontrar as datas de conclusão do primeiro grau académico (a licenciatura) de todos os 25 economistas da lista e, se as fontes que consultei não me tiverem enganado, o resultado é o que aparece exposto abaixo.
É interessante e significativo que apenas um deles tenha concluído a licenciatura ainda na década de 70 (António de Ascensão Costa), o que faz dele o único dos economistas consultados que é ligeiramente mais velho do que o primeiro-ministro seu homónimo. Todos os outros têm a idade de António Costa ou então são mais novos, meia dúzia concluiu as suas licenciaturas durante a década de 80, mas os restantes fizeram-no de 1990 em diante. E 1990 só se torna uma data relevante para a continuação desta narrativa, se recordar os leitores deste poste que foi em Janeiro daquele ano que Miguel Cadilhe (75 anos) deixou de ser ministro das Finanças. 72% dos economistas ontem ouvidos por António Costa licenciaram-se depois disso. É obra que, no dia seguinte ao dessa reunião que acima se descreveu, a agência Lusa, quase como sucedâneo, se incomode a ouvir e a destacar as opiniões de um velho ministro das Finanças que deixou de o ser vai para mais de trinta anos. Estas velhas carcaças da economia e das finanças até podem ter uns egos desmesurados, mas a culpa é de quem lhes dá um palco - ainda por cima quando só vingam para prestações diante de audiências não muito sofisticadas...

OPERAÇÃO «VÉNÉRABLE»

15 de Abril de 1945. Começa uma ofensiva francesa para a libertação das duas margens do Estuário da Gironda, que permaneciam há oito meses ainda sob controle dos alemães. Essa ocupação impedia que os Aliados utilizassem o porto de Bordéus (veja-se o mapa abaixo). Numa altura em que todas as atenções se concentravam numa Alemanha que estava prestes a colapsar militarmente, esta operação (baptizada Vénérable) não se tratava da propriamente da libertação de Bordéus, conforme o enganoso título do Diário de Lisboa, mas apresentava-se com uma excelente oportunidade para a reaquisição do prestígio (muito abalado) das armas francesas. Mas não era apenas isso, já que havia inúmeras unidades francesas - na verdade, todo um exército - a combater na Alemanha. A oportunidade também se mostrava propícia para exibir em combate as unidades entretanto formadas a partir do recrutamento e incorporação dos muitos milhares de resistentes e guerrilheiros que haviam surgido com a libertação de França, no Verão e Outono de 1944, as antigas FFI. A operação saldou-se por uma vitória das armas francesas, mas a combatividade dos antigos guerrilheiros incorporados não se comprovou: de um total de 364 mortos que o exército francês ali sofreu nos cinco dias de duração dos combates, mais de um terço desses mortos foram muçulmanos pertencentes às unidades coloniais norte-africanas tradicionais (como o 4º regimento de Zuavos de origem tunisina), unidades essas que tiveram de desempenhar as tarefas mais arriscadas. Quanto aos outros portos ainda ocupados pelos alemães - Lorient e Saint Nazaire - caíram com a rendição geral da Alemanha. Foi um preço alto para constatar que a Resistência foi mais um conceito do que uma arma verdadeiramente eficaz...

14 abril 2020

TODOS IGUAIS E OS MAIS «IGUAIS» QUE OS OUTROS

A ocasião já será antiga, que os notáveis do bloco de esquerda da actualidade já são outros, mas a intenção da fotografia continua interessante e é cristalina: a de mostrá-los (aos notáveis), anónimos, sentados na plateia no meio de tantos outros militantes da organização: da esquerda para a direita, Fernando Rosas, Francisco Louçã, Luís Fazenda, Daniel Oliveira, Diana Andringa... E contudo, se parece ser essa a intenção, que nas reuniões políticas tradicionais os notáveis sentam-se sempre lá à frente, normalmente no palco, alinhados como aqui e de frente para os outros, esta fotografia, o facto de ter sido tomada e tudo o resto acaba por funcionar como um gato escondido com o rabo de fora. Se a intenção era torná-los anónimos no meio dos outros, porque os sentaram todos juntos na mesma fila da plateia? Para ficarem mais anónimos do que os outros?

13 abril 2020

A «AVARIA» DA APOLLO XIII

Se, nos dias anteriores, 11 e 12 de Abril de 1970, a missão Apollo XIII (a terceira missão lunar da NASA) estivera a ser acompanhada pela comunicação social com um entusiasmo bocejante (veja-se os cabeçalhos ao centro e à esquerda), a partir de dia 13 de Abril, completam-se hoje precisamente 50 anos, tudo mudou.
Houve uma explosão a bordo (imagem central), a missão teve que ser abortada, os astronautas estiveram em perigo de vida, e todos sabemos como é destas grandes desgraças que se alimenta o jornalismo. Depois de dia 13 de Abril e até ao regresso dos astronautas no dia 17 foi um verdadeiro festim noticioso.

12 abril 2020

O ÚLTIMO FEITO HERÓICO DE UM NAVIO DA MARINHA PORTUGUESA

Que a marinha portuguesa tem pergaminhos tão sólidos quanto antigos, desde a chegada de Vasco da Gama a Calicute em 1498, isso creio que é indiscutível. Porém, no que diz respeito à composição da nossa marinha mercante, muito longe vão os tempos do famoso Despacho 100, de Agosto de 1945, em que era o próprio Estado a definir a programação de toda a construção naval de grande porte para o decénio seguinte - previam-se 70 navios novos num total de 376.000 toneladas. O Despacho em questão, hoje tornado um marco da nossa política naval no século XX, tornou-se também famoso por ter sido a primeira ocasião em que o ministro da Marinha de então (o almirante Américo Tomás), deu expressão a uma vocação muito sua para um estilo de prosa e oratória que ainda hoje é famoso: numa certa passagem do preâmbulo lê-se que a «...promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número, não por acaso, mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriormente promulgados...».
É uma época que deixará saudades nos marinheiros, mas reconheça-se que, em contraste com o que acontecia há 75 anos, a construção, preservação e manutenção de uma frota mercante deixou de ser uma prioridade estratégica nacional. Com a globalização, ele há navios a operar quase em exclusivo para o nosso mercado ostentando bandeiras de conveniência, e, em contraste, há navios que exibem o nosso pavilhão e que raramente terão sulcado águas portuguesas. Esse será precisamente o caso deste RCGS Resolute da fotografia acima, fotografia essa que já foi recolhida depois dos acontecimentos que entretanto o celebrizaram, uma proeza que, apesar de cometida à sombra da nossa bandeira das quinas, permanece desconhecida por cá. O RCGS Resolute é um pequeno navio para cruzeiros construído em 1991 num estaleiro da Finlândia (este pormenor tornar-se-á importante mais adiante). Tem 125 metros de comprimento por 18 de largura, desloca 5.900 toneladas, uma tripulação de 125 e capacidade para acomodar até 184 passageiros. Ao longo dos 29 anos de serviço o navio já teve três nomes, e só passou a navegar com a bandeira portuguesa desde 2018. Nem sequer dá para o estimarmos e considerá-lo nosso, como um Obikwelu, é como se fosse um daqueles atletas naturalizados por conveniências do próprio.
O que não invalida, por muito espúrio que seja o seu lusitanismo, que contemos a sua história. Em 30 de Março passado, o navio de cruzeiro, com uma tripulação reduzida ao mínimo (32 membros), em viagem de Buenos Aires para Curaçao, derivava ao largo da Venezuela, mas, na sua versão, em águas internacionais, enquanto reparava uma das suas máquinas. Foi nessa altura contactado e interceptado pelo navio patrulha Naiguatá da marinha de guerra venezuelana (acima) que o mandou segui-lo até à sua base naval, sob o pretexto que estava a violar águas territoriais venezuelanas. Como reacção, o capitão do Resolute terá contactado o armador, que o mandou desobedecer. E foi a partir daí que tudo se desenrolou. Os venezuelanos assumiram uma posição de intimidação, há um video (abaixo) onde se vê um dos marinheiros a disparar uma rajada de AK-47 na direcção do navio que arvora o pavilhão português. Mas depois não há mais imagens disponibilizadas pela marinha venezuelana que mostrem os momentos e as condições precisas que conduziram ao abalroamento dos dois navios - apenas as suas consequências: aparecem imagens dos dois navios enlaçados, em que aparentemente o navio de guerra venezuelano está a realizar manobras para reverter essa situação.
A questão é que, por causa da nacionalidade do RCGS Resolute, o nosso Gabinete de Investigação de Acidentes Marítimos foi encarregue de esclarecer o que acontecera em paralelo com procedimento idêntico da parte venezuelana. E é esse relatório (aqui disponível) que torna pertinente o título irónico que escolhi para este poste: O ÚLTIMO FEITO HERÓICO DE UM NAVIO DA MARINHA PORTUGUESA. Segundo as conclusões do relatório foi o navio venezuelano que, de peito feito, se atravessou à frente do Resolute «colidindo com a amura de estibordo» deste. Azar dos venezuelanos o facto do navio com que se confrontavam ter sido construído na Finlândia, com especificações de uma proa particularmente reforçada, por causa das condições de navegação no Mar Báltico, que, com muita frequência, congela no inverno... O navio de guerra venezuelano afundou-se, com todo o seu arsenal, duas peças de artilharia, uma de 76 mm, outra de 35 mm, duas metralhadoras de 12,7 mm e... um casco mais frágil do que o do seu oponente. O episódio, não sendo propriamente um feito de armas da marinha mercante portuguesa (como aqui se ironiza), é, porém, um embaraçoso feito de armas para a marinha de guerra venezuelana, naquele que terá sido o primeiro embate decisivo naquelas águas em mais de 75 anos...