Se Jesus Cristo ressuscitou ao terceiro dia conforme as escrituras, foi só ao quinto dia que terminou o escrutínio das eleições irlandesas. O resultado até parece estar a institucionalizar-se: os partidos da coligação responsável pelas medidas de austeridade decorrentes do resgate a que um país foi submetido apanharam, mais uma vez, uma tareia e perderam a ampla maioria parlamentar de que desfrutavam (mais de ⅔ da câmara de 158 deputados). O partido que ocupava o poder por altura do resgate recupera, mas também não faz um brilharete por aí além. Assim, o Fine Gael (FG) perdeu 26 deputados (16%) e o seu aliado Trabalhista (LP) perdeu outros 30 lugares (19%). Em conjunto, a soma das representações dos dois partidos reduziu-se para metade (de 113 para 57 deputados) e mais de um terço do eleitorado irlandês terá mudado substantivamente o seu sentido de voto em relação a 2011, sancionando aqueles que considerou responsáveis pela implementação do plano de resgate da Irlanda (2010-2013). Contudo, o Fianna Fáil (FF), que se afundara em 2011, só recuperou uma parcela das simpatias, passando de 20 para 44 deputados. O resto dispersou-se por outras formações. Estes resultados são tão mais significativos quanto a economia irlandesa tem vindo a registar depois de 2013 taxas de crescimento impressionantes (6,8% em 2015). Estará a Irlanda a comprovar a existência real do famoso processo de destruição criativa de Schumpeter? É que ela foi muito propagandeada pelos pretensos ideólogos do liberalismo cá por Portugal mas depois disso tem tardado em materializar-se. Estará para cá chegar a Portugal, a tal de destruição criativa, mas será trazida por D. Sebastião... Para o que nos interessa porém, o eleitorado irlandês marimbar-se-á para Schumpeter, não valorizou a excelência da recuperação económica em curso (quiçá porque a redistribuição da riqueza dessa recuperação não estará a ser efectuada de forma suficientemente equitativa...) e resolveu condenar a fideputice que lhes fizeram para salvar (sobretudo) a banca irlandesa.
Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Mais (e melhor do) que aquilo que escrevi mais acima são aqueles mesmos factos se noticiados pela Lusa e transpostos sem qualquer comentário adicional e com uma fotografia condizente para o Observador... Apreciem só a cara feliz e o polegar alçado do primeiro-ministro cessante, Enda Kenny, ao constatar que o seu partido vencedor perdeu ⅓ da representação parlamentar e que a coligação que o apoiava perdeu também a maioria absoluta do parlamento... Além disso, em relação ao cabeçalho esclareça-se que não houve nenhuma coligação eleitoral que vencesse ou perdesse as eleições: os partidos no poder concorreram separados.
A situação política decorrente das eleições irlandesas apresenta-se complicada e, a aparecerem soluções no quadro parlamentar, elas serão frágeis, como acontece em Portugal. O que é, apesar de tudo, melhor do que elas não existirem, como acontece em Espanha. Mas o que se torna ridículo nestas notícias é o seu padrão de repetição, que não parece ter ensinado nada a quem as redige. Passos Coelho, Rajoy e agora Kenny venceram eleições. O problema é que não conseguem formar ou sustentar governos depois disso... Os aliados de Bruxelas vencem mas caem como os seguidores de Cadmo; aliás era interessante que quem assim analisa e descreve a situação política nos países europeus das periferia (PIGS) soubesse quem foi Cadmo, o fundador de Tebas...
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