26 março 2016

2400 ANOS DEPOIS DE ARISTÓTELES

Sempre acreditei que o desfecho do Caso Sócrates - fosse ele em que sentido fosse - se revestisse da seriedade que a questão exigia. Mas enganei-me. Como muito do que é sério em Portugal a história do hipotético enriquecimento inexplicado de um ex-primeiro-ministro arrisca-se a terminar em jeito de paródia - o que não quer dizer que as consequências no descrédito do visado não sejam igualmente fulminantes como o seriam se o assunto tivesse sido levado a sério até ao fim. Se a posição de José Sócrates se havia tornado extremamente periclitante com a divulgação pública de algumas escutas este mês pela CMTV, ela terá colapsado por completo nesta semana que passou, quando o assunto veio a ser repegado sarcasticamente por Ricardo Araújo Pereira, por escrito na Visão (abaixo) e em stand-up comedy (por acaso realizada com ele sentado...) no programa Governo Sombra que passa na TSF em rádio e na TVI em televisão (ainda mais abaixo). Já aqui constatei que a influência de Ricardo Araújo Pereira será mais destrutiva do que construtiva, mas é forçoso reconhecer que, com esta sua ajuda, a argumentação substantiva apresentada pela defesa de José Sócrates acabou virtualmente ridicularizada perante quem estivesse interessado no assunto de uma forma minimamente desengajada. Entre o capital de simpatia restar-lhe-á o dos incondicionais.
Mas uma coisa distinta será a Acusação vir a conseguir produzir prova da sua tese do enriquecimento inexplicado do antigo primeiro-ministro para levar o caso a julgamento em conformidade com os prazos legais. Arriscamo-nos a ter mais um antigo político naquele limbo entre o amesquinhado e o absolvido. Vai uma grande distância entre a inanidade das explicações para a origem e propriedade dos fundos até à constituição de uma prova robusta da irregularidade da sua origem. Outra coisa distinta ainda, será o veredicto desse julgamento (se ele se vier a realizar), assim como o encadeado de recursos em que este género de casos, quando chegam a essas fases, são costumeiros. E uma terceira coisa distinta final, a dispensar os condicionalismos legais anteriores, será a interrogação (que não sei que repercussão pública terá...) de como terá sido possível que o sistema político português fosse tão desprovido de moral e de deontologia que pudesse ter catapultado tal pessoa para o estrelato no firmamento da política portuguesa - é que nos tempos da guerra-fria era um pesadelo do orgulho de um qualquer país ocidental, a hipotética descoberta de que um seu primeiro-ministro havia sido um espião soviético. Então e se tivesse sido um escroque?

3 comentários:

  1. A minha maior perplexidade e revolta com a infernal sequência deste tipo de casos prende-se, precisamente, com o predicado que utilizas: “inexplicado”. Se a posse ou usufruto de um qualquer bem não é explicável, não percebo a razão desse bem não reverter imediatamente a favor do Estado, ainda que sob condição de durante um prazo estipulado ser possível a apresentação de defesa/contestação que prove a sua origem e licitude. Ou seja: a meu ver, não se trata de inverter papéis ou provas. A simples circunstância de ser “inexplicado” (por inexistência de registo documental que o sustente) constitui-se automaticamente em prova bastante e só deixará de o ser mediante apresentação de contraprova validada que a “explique”. A eventual prática de um qualquer crime pode e deve ser presumida e investigada, mas a sua não comprovação não pode servir de “explicação” para o que era e continuará a ser “inexplicado”. Apenas justificará que não se acuse alguém de um crime cuja prática não foi possível provar (quando assim acontecer).
    Uma outra perplexidade é a de não ver imediatamente enclausuradas todas as pessoas que a essa pena são condenadas por um qualquer Tribunal. Todas as garantias de defesa e de recurso podem e devem ser asseguradas (a todos e não apenas àqueles que têm meios financeiros para exercerem esse direito). Contudo, a partir do momento em que é proferida uma primeira sentença judicial, essa sentença deveria começar a ser imediatamente aplicada, independentemente de poder ser recorrida e acabar reconvertida, anulada, reparada, indemnizada.
    É preciso fazer várias alterações ao nosso ordenamento jurídico, mas são difíceis de compreender os critérios de prioridade, oportunidade, sentido, equidade, generalidade e abstracção, que têm vindo a ser seguidos ao longo dos últimos tempos.

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  2. Quanto creio que sei, procuro contribuir com o que julgo que sei; quando não sei, calo-me. Sobre o assunto que abordas, apenas te posso dizer que sei que há compêndios sobre compêndios pronunciando-se sobre a natureza punitiva das sanções versus a sua função reeducativa. Outros sobre a natureza e aceitabilidade da prova. Outros ainda sobre as condições de defesa dos réus. Haverá toda uma jurisprudência que explicará que o edifício legal de hoje seja o que hoje existe e quais terão os princípios prevalecentes para cá ter chegado. Mas eu disso não percebo patavina, e dou-me por feliz se tiver uma perspectiva correcta da grandiosidade da minha ignorância.

    Uma nota, porém, quero esclarecer. A opinião que aqui expressas situa-se muito mais no âmbito da Direita autoritária clássica do que no âmbito da Direita Liberal que esteve nos últimos anos no poder e cujas opiniões te tenho visto aqui e ali defender. Essa Direita Liberal não tem a Moral nem consequentemente a severidade que aqui dás mostras quanto às causas do enriquecimento. São Direitas que podem ser muito diferentes. É a distância que vai dos Rockefeller nos Estados Unidos para os Krupp na Alemanha. É a distância da opinião daquilo que se deve fazer quanto ao mercado dos combustíveis em Portugal: fixar preços ou manter o oligopólio?

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  3. É verdade que há muitas direitas e muitas esquerdas, e outras que nem são facilmente catalogáveis porque umas vezes concordam com estas e outras com aquelas. Não sei se este senhor [ http://www.jornaldenegocios.pt/economia/politica/detalhe/tsf_rui_rio_apoia_costa_e_marcelo_o_que_a_ue_esta_a_fazer_a_banca_e_intoleravel.html ] tem ultimamente expressado opiniões mais próximas da Direita autoritária clássica, da Direita Liberal, ou da Esquerda Social-Democrática. O que sei é que nunca foi comunista, porque estava do meu lado quando nos enfrentávamos. E também sei que frequentemente concordo com ele, embora nem sempre, tal como acontece contigo, facto que não permite retirar qualquer conclusão. Talvez a única dedução que possa ser feita seja a de que, por ser touro, embirro com o vermelho, porque sim, porque sou daltónico e não consigo dar-me conta da profundidade do campo e das nuances das matérias. Ao contrário dos comentadores de futebol encartados que, seja no momento ou à segunda-feira, sabem exactamente quem cometeu ou não qualquer falta e, por mera coincidência, todos conseguimos antecipar quais serão os seus veredictos.
    Já quanto ao preço dos combustíveis, sei bem a razão porque sobem há oito semanas consecutivas e não me parece que, desta vez, se possa atribuir a culpa ao oligopólio… Monopólios e oligopólios condicionam o mercado, não se deixam enredar nas normais regras entre a oferta e a procura, razão por que devem ser fiscalizados e combatidos. Significa isso que os preços devam ser administrativamente fixados? Acho que não. Mas é sempre possível criar regras que forcem a adaptação dos preços à realidade e às variações que se vão registando em mercados próximos e mais livres. É o papel da regulação. Regulação que em Portugal não funciona nos combustíveis, na electricidade, nas águas, nas comunicações, nos média, nos transportes, na distribuição, na Banca, na Bolsa, em lado nenhum…

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