Em 30 de Maio de 1974, pouco mais de um mês depois do 25 de Abril, uma equipa da televisão francesa (ORTF) entrada clandestinamente em território guineense realiza esta entrevista a Francisco Mendes, um dos comandantes militares do PAIGC, mais conhecido pelo nome de guerra de Chico Té. Desde há duas semanas que vigorava um cessar fogo no território. O teor das suas declarações - que se podem ler mais abaixo - são um testemunho da época, da autoconfiança arrogante dos nacionalistas africanos que depois do golpe de Estado em Portugal se passaram a sentir - provavelmente com razão - como os vencedores do conflito que os opusera a Portugal ao longo do decénio precedente. O revisionismo como hoje se reanalisa a época e as especulações quanto às condições em que se poderia ter realizado a descolonização raramente tomam em conta esta atitude contra a qual os negociadores pela parte portuguesa se confrontaram, para além de se esquecerem que, entre as tropas portuguesas que poderiam disciplinar no terreno Chico Té e os seus homólogos tanto na Guiné como nos outros Teatros de Operações, desaparecera subitamente todo o ânimo combativo a partir do momento em que se começara a falar da descolonização. Perante o anúncio do fim de uma guerra, ninguém quer ser o seu último morto. Retirar disciplinadamente, como já explicava Xenofonte na Anábase do tempo da Grécia clássica, foi sempre uma das operações mais complexas de realizar sob a pressão do inimigo... Chico Té veio a falecer em 1978, quatro anos depois desta entrevista, num desastre de automóvel cujas circunstâncias ainda hoje estão sujeitas a interrogações. A história encarregou-se de vingar a sobranceria de algumas das suas declarações, a começar pela forma como quase faz o favor de se dispor a acolher uma eventual futura cooperação portuguesa... Quanto a isso, hoje a Guiné-Bissau passa por ser um caso perdido.
- Considero que o general Spínola, que empregou entre nós todas as suas táticas de guerra contra-subversiva para vencer a nossa luta em dois e depois em quatro e cinco anos, acabou por registar um fracasso total. Consideramos que a sua presença entre a nova equipa (dirigente) de Portugal no que respeita à nossa realidade e à do nosso partido, e quanto a qualquer decisão dos portugueses, ele conhecer-nos-á possivelmente melhor do que os restantes em Portugal.
- Que é que vai acontecer em sua opinião?
- Pensamos que depois do cessar-fogo, como já o disse, é necessário que as tropas portuguesas abandonem definitivamente o nosso país. Depois disso, pensamos continuar a luta, seja na Guiné no plano da construção do país, seja em Cabo Verde para libertar as ilhas de Cabo Verde da dominação portuguesa...
- Já fixaram um calendário para a evacuação das tropas portuguesas?
- Ainda não ficámos um calendário para a evacuação das tropas portuguesas porque isso depende das negociações em Londres.
- E que concessões estão disponíveis para fazer a Portugal?
- Em todas as negociações há sempre concessões que se têm de fazer e actualmente não me vou pronunciar clara ou concretamente sobre as concessões que estaremos dispostos a fazer, porque isso dependerá também da vontade dos portugueses, das propostas que nos vão apresentar.
- Tem impressão que eles estão mesmo dispostos a descolonizar, os portugueses?
- Sim temos a impressão que eles estão prontos para descolonizar, pensamos que a nova equipa (dirigente) quer realmente descolonizar mas isso depende também de muitos factores do ponto de vista económico, por exemplo em Angola e Moçambique, nesses sítios onde eles têm grandes interesses, grandes capitais estrangeiros mas onde, de uma forma ou outra, pensamos que estão decididos a descolonizar.
- E como é a situação no terreno aqui na Guiné?
- Nós temos os organismos do Estado já instituídos em todas as regiões e que funcionam normalmente.
- Que parte do território é que vocês controlam?
- Nós controlamos efectivamente ⅔ do território mas há uma grande parte dele que está em litígio.
- E que proporção da população?
- Pode-se dizer por estimativa 350 mil pessoas.
- Ou seja, a metade?
- Sim, a metade, porque há uma outra parte considerável que está refugiada no Senegal e na República da Guiné; há ainda uma pequena parte que está sob controle dos portugueses.
- O que é que é negociável?
- A retirada das tropas portuguesas do nosso país, por exemplo uma futura cooperação com Portugal é negociável. Uma assistência, por exemplo, em que Portugal pode-nos fornecer quadros técnicos, do ensino, operários; o que não é negociável é a dignidade do nosso país, a independência.
- E se os portugueses vos propuserem que se proceda a um referendo quanto à autodeterminação, aceitariam?
- Pensamos que é absurdo que os portugueses nos proponham esse princípio porque não pode existir um voto a perguntar à população se ela quer ser independente ou se não o quer, porque a prova existente é esta luta de onze anos que nos parece uma enorme prova que a população deseja a independência.
- E se não houver acordo entre os movimentos independentistas de Angola e Moçambique e Portugal e se nesses dois territórios a guerra continuar? Que farão nesse caso? Serão solidários ou farão um acordo, mesmo assim, com os portugueses?
- Pensamos que Portugal não pode pretender que concedendo-nos ou mesmo aceitando aquilo que apresentámos para a nossa independência, se pode permitir a continuar a guerra nas outras colónias portuguesas.
- Considero que o general Spínola, que empregou entre nós todas as suas táticas de guerra contra-subversiva para vencer a nossa luta em dois e depois em quatro e cinco anos, acabou por registar um fracasso total. Consideramos que a sua presença entre a nova equipa (dirigente) de Portugal no que respeita à nossa realidade e à do nosso partido, e quanto a qualquer decisão dos portugueses, ele conhecer-nos-á possivelmente melhor do que os restantes em Portugal.
- Que é que vai acontecer em sua opinião?
- Pensamos que depois do cessar-fogo, como já o disse, é necessário que as tropas portuguesas abandonem definitivamente o nosso país. Depois disso, pensamos continuar a luta, seja na Guiné no plano da construção do país, seja em Cabo Verde para libertar as ilhas de Cabo Verde da dominação portuguesa...
- Já fixaram um calendário para a evacuação das tropas portuguesas?
- Ainda não ficámos um calendário para a evacuação das tropas portuguesas porque isso depende das negociações em Londres.
- E que concessões estão disponíveis para fazer a Portugal?
- Em todas as negociações há sempre concessões que se têm de fazer e actualmente não me vou pronunciar clara ou concretamente sobre as concessões que estaremos dispostos a fazer, porque isso dependerá também da vontade dos portugueses, das propostas que nos vão apresentar.
- Tem impressão que eles estão mesmo dispostos a descolonizar, os portugueses?
- Sim temos a impressão que eles estão prontos para descolonizar, pensamos que a nova equipa (dirigente) quer realmente descolonizar mas isso depende também de muitos factores do ponto de vista económico, por exemplo em Angola e Moçambique, nesses sítios onde eles têm grandes interesses, grandes capitais estrangeiros mas onde, de uma forma ou outra, pensamos que estão decididos a descolonizar.
- E como é a situação no terreno aqui na Guiné?
- Nós temos os organismos do Estado já instituídos em todas as regiões e que funcionam normalmente.
- Que parte do território é que vocês controlam?
- Nós controlamos efectivamente ⅔ do território mas há uma grande parte dele que está em litígio.
- E que proporção da população?
- Pode-se dizer por estimativa 350 mil pessoas.
- Ou seja, a metade?
- Sim, a metade, porque há uma outra parte considerável que está refugiada no Senegal e na República da Guiné; há ainda uma pequena parte que está sob controle dos portugueses.
- O que é que é negociável?
- A retirada das tropas portuguesas do nosso país, por exemplo uma futura cooperação com Portugal é negociável. Uma assistência, por exemplo, em que Portugal pode-nos fornecer quadros técnicos, do ensino, operários; o que não é negociável é a dignidade do nosso país, a independência.
- E se os portugueses vos propuserem que se proceda a um referendo quanto à autodeterminação, aceitariam?
- Pensamos que é absurdo que os portugueses nos proponham esse princípio porque não pode existir um voto a perguntar à população se ela quer ser independente ou se não o quer, porque a prova existente é esta luta de onze anos que nos parece uma enorme prova que a população deseja a independência.
- E se não houver acordo entre os movimentos independentistas de Angola e Moçambique e Portugal e se nesses dois territórios a guerra continuar? Que farão nesse caso? Serão solidários ou farão um acordo, mesmo assim, com os portugueses?
- Pensamos que Portugal não pode pretender que concedendo-nos ou mesmo aceitando aquilo que apresentámos para a nossa independência, se pode permitir a continuar a guerra nas outras colónias portuguesas.
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