23 março 2016

HELENA MATOS E A TÉCNICA DAS CHOCAS

Há truques jornalísticos para os quais creio que vale a pena chamar a atenção, especialmente porque os vejo regularmente praticados mas raramente os vejo denunciados e, porque não sei o que dirá a doutrina deles, vejo-me forçado a baptizá-los conforme a minha parca inspiração de momento. Acima e por exemplo, vemos Helena Matos a praticar aquilo que costumo designar por técnica das chocas. Exactamente: as chocas, aquelas vacas que aparecem no fim da corrida para recolher o touro. Precisam de ter um certo perfil dócil para rodearem o touro para que este se deixe conduzir com a docilidade circundante para os currais (vídeo abaixo). Quando se escreve um artigo de opinião como é o exemplo acima, com um título a namoriscar descaradamente aquele batido lugar comum dos militares de volta aos quartéis, uma jornalista experimentada como Helena Matos tende a invocar exemplos que sejam dóceis como as chocas. Nunca se perdendo de vista que o tópico do artigo do Observador é a polémica Lula (assinalada acima), os três exemplos de juízes que suscitam a admiração da jornalista - o português Carlos Alexandre, o brasileiro Sérgio Moro e o italiano Giovanni Falcone - apresentam-se por uma ordem que não me parece nada inocente: o brasileiro Sérgio Moro vai no meio, como o touro segue rodeado pelas chocas depois da lide. E as chocas servem aqui para conferir dignidade a um juiz que, até ao mês passado, ninguém havia ouvido falar fora do Brasil. Expliquemos um pouco melhor a ideia, acentuando o contraste e analisando as implicações disso no conjunto do texto se mudarmos a composição da manada com outra troica de juízes prestigiados: o português Rui Teixeira, o espanhol Baltazar Garzón e o italiano Antonio di Pietro. O problema com este outro naipe, que já não sei se também terá potencial para despertar a admiração de Helena Matos, é que as conclusões para onde o artigo de Helena Matos nos quer conduzir se tornam muito mais complicadas de extrair assim que os exemplos dos juízes são mudados. A sede de protagonismo de que qualquer um dos novos nomeados deu mostras na sua carreira evidencia um outro aspecto da classe que já não combinará assim tão bem com a narrativa de Helena Matos do juiz-herói que só se envolveu na política contrariado... Os juízes podem constituir um perigo para a Democracia equivalente ao que os militares representaram no Século passado. Isso não parece incomodar Helena Matos que, de democrata, tem só uns tiques - é assim como os comunistas: serviços mínimos. Mas, de qualquer forma e é disso que eu aqui queria falar, é um truque giro, que nem sei se terá uma designação mais académica para o referir, às vezes até faz pena que o Mundo não funcione de acordo com estas espertezas do jornalismo-militante - veja-se aqui, no mesmo Observador, o que está a acontecer ao juiz Sérgio Moro...

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