Nem foi preciso Indiana Jones para conferir notoriedade às cerimónias de queima de livros pelos nazis. Essas já todos conhecem de uma forma ou outra. O que será menos conhecido é que do outro lado do Atlântico havia quem, simultaneamente, se dedicasse à mesma tarefa e com igual zelo. A Sociedade Nova Iorquina para a Supressão do Vício (NYSSV) fora fundada em 1873 e nessa mesma década de 1930 em que se assistia à ascensão dos totalitarismos na Europa, nuns Estados Unidos cuja mitologia se pretende diferente da europeia (recorde-se o New Deal de F.D. Roosevelt a partir de 1933), o ideal e a prática da repressão daquilo que se publicava ainda se mantinha dinâmico coexistindo com a(s) censura(s) de aquém Atlântico. Ali, o enfoque podia incidir mais na moral do que na ideologia, mas os resultados das proscrições podiam resultar estranhamente semelhantes.
Nesta fotografia abaixo, datada de 1935, o dirigente máximo da Sociedade Nova Iorquina para a Supressão do Vício, John Saxton Sumner (1876-1971), acompanhado de Martin H. Meaney (1885-1970), o subcomissário da polícia nova-iorquina (NYPD), supervisionam a queima de livros considerados imorais que haviam entretanto sido apreendidos em várias buscas pelas livrarias da cidade. Entre os livros elegidos para a queima encontrar-se-ão obras de Erskine Caldwell, James Joyce (Ulysses esteve proibido nos Estados Unidos), D.H. Lawrence ou Oscar Wilde. Num remate final de ironia, ao contrário do que era a prática europeia, estes livros estão a ser queimados discretamente em fornos o que torna quase impossível, lembrando a semelhança com as fotografias dos fornos de Auschwitz, não lembrar a frase de Heine: «Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas».
A Sociedade para a Supressão do Vício teve que mudar de nome logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, adoptando uma designação mais simpática aos ouvidos da opinião pública, a de Sociedade para a Manutenção da Decência Pública, mas, mesmo assim, esta última extinguiu-se logo depois, em 1950, provavelmente por falta de activistas que se preocupassem em mantê-la, à decência pública. A partir daí, ou ela se manteria por si mesma ou seria indecente recorrer-se a métodos assim para a manter.
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