04 março 2016

CICLOS DO PENSAMENTO ÚNICO

Deu-me que pensar uma publicitada reflexão de José Pacheco Pereira a respeito daquilo que classificou recentemente do pensamento único que ele considera dominar a comunicação social portuguesa, nomeada e especificamente com exemplos que apresentou a respeito do jornalismo económico. Citando-o: O jornalismo económico quase não tem hoje linhas sobre as condições de trabalho, os jornalistas fazem sobretudo notícias sobre empresas e sobre empresas inovadoras - em que nunca vão ver como estão um ano depois (...). Concordo e creio que vale a pena levantar a questão mas pergunto-me: a distorção descrita é uma novidade no jornalismo português ou será o sentido de direita liberal dessa distorção que é percebido como tal? José Pacheco Pereira identifica-se como historiador e, melhor, costuma ir buscar frequentemente exemplos ao passado para sustentar as suas opiniões sobre o presente. Eu gosto disso. Mas, porque não então o exercício de recuar quarenta anos até uma época (a do Processo Revolucionário em Curso - PREC) em que o jornalismo (e a classe) era(m) o oposto do actual? Em que 9 em cada 10 estrelas da informação e da opinião se situavam politicamente à esquerda do PS? Em que o jornalismo era feito sobretudo de notícias sobre as condições de trabalho (os famosos cadernos reivindicativos) mas que era quase omisso sobre o impacto disso sobre a viabilidade das empresas - e em que nunca se ia ver um ano depois como elas haviam acabado por ser intervencionadas pelo Estado? (Pelo contrário, a intervenção estatal parecia até desejável) E em que, deixem-me acrescentar este exemplo patético de Outubro de 1975 abaixo, era quase suicida criticar uma organização política armada que se dispunha a passar à clandestinidade quando instada a entregar o armamento... Pelo contrário, cobrir uma conferência de imprensa protagonizada por uns encapuçados era uma trivialidade. Não seria aquela apatia tão indesculpável como a demonstrada diante de alguém que anuncia que vai despedir (mais) umas centenas de pessoas?
Eu sei que evocar o excesso de uma época não desculpa o da outra mas lembrá-los em simultâneo serve para os reduzir à sua devida proporção de modas geracionais. Em simetria à do PREC, na actual geração serão 9 em cada 10 estrelas as que se situam à direita do PS. É por esse seu enviesamento que faz todo o sentido usar a expressão irónica PREC da direita para descrever estes últimos anos. O que não invalida quanto eu antecipo que o futuro nos reservará a moderação de muitas dessas estrelas à semelhança do que sabemos que aconteceu depois do PREC original. Ainda ontem, no programa da SIC Quadratura do Círculo, havia muito de irónico quando José Pacheco Pereira se pôs a defender a matriz social-democrata original do PPD/PSD dos tempos de Sá Carneiro e quando, para o acompanhar, Jorge Coelho saiu a brandir a reputação do PS histórico dos tempos da Alameda; ora, por esses anos, nem um nem outro poderiam falar das experiências na primeira pessoa: o primeiro era um marxista-leninista-maoista que militava no PUP e o segundo outro marxista-leninista-maoista que optara pela UDP... O tal problema do pensamento único tão valorizado por Pacheco Pereira é, quando visto desapiedadamente e na minha modesta opinião, apenas uma epícrise de uma doença congénita da sociedade portuguesa que os 40 anos de Democracia não curaram. Há uma moda que se segue, independentemente da sua razoabilidade: já houve gravatas ridículas da sua estreiteza de tripa, já houve gravatas ridículas da sua largura de bacalhau salgado. Com as ideias políticas e económicas não deveria ser assim, mas inclinemo-nos: é. Veja-se, por exemplo, o percurso de Pedro Marques Lopes que, vindo inicialmente daquelas paragens, tem calcorreado paulatinamente o caminho da moderação. E depois há os outros, como José Manuel Fernandes, que a esses, se Deus lhes der vida e saúde (porque vergonha não têm), eram da outra, são desta, e hão-de ser da próxima...

Em tempo: apercebo-me que disto tudo é capaz de ficar a impressão errada. Mesmo contradizendo-o, vale a pena realçar que José Pacheco Pereira foi, dos três oradores presentes nessa ocasião, o que produziu as afirmações mais interessantes. Daniel Proença de Carvalho não compartilhava a visão pessimista dos seus colegas e Carlos Magno terá proferido umas boutades para animar a corporação (O jornalismo do cidadão é uma treta). Pois, ficou por dizer qual é o que não é...

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