25 março 2015

ZWI MIGDAL

 
Todos conhecem o significado da palavra Máfia. Os mais atentos conseguem até distinguir a especificidade geográfica da Máfia (siciliana) da Camorra (napolitana) e da Ndrangheta (calabresa). Ou saber ainda que esse género de organizações se designa por Tríades na China ou Yakuza no Japão. Que o tráfico de cocaína conferiu poder e notoriedade às suas homólogas latino-americanas designadas por Cartéis: da Colômbia, do México, etc. E finalmente que a queda do Muro de Berlim integrou no universo mediático das máfias conhecidas as da Europa de Leste: da Rússia, da Geórgia, etc. Contudo, estou quase tentado a apostar que quem me seguiu até aqui concordando aprovadoramente e com conhecimento nunca terá ouvido falar da Zwi Migdal...
De que se trata? De uma organização formada predominantemente por judeus polacos e russos na segunda metade do Século XIX (ambos eram então súbditos do tsar) que, sobre uma designação respeitável (Sociedade Judaica de Auxílio Mútuo), promovia o chamado tráfico de brancas (prostitutas) da Europa de Leste para a América. Mais do que os Estados Unidos, a região onde o negócio se veio a revelar mais rentável foi a Argentina, o Uruguai e o Sul do Brasil, regiões onde a chegada mais recente da imigração europeia provocara, nos anos próximos da transição do Século XIX para o Século XX, um desequilíbrio acentuado entre os sexos (em 1895 havia na Argentina 1,7 homens para cada mulher!), o que fazia o negócio gerar lucros fabulosos. Estima-se que no seu apogeu, por volta de meados da década de 1920, os membros da Zwi Migdal (meia centena) terão chegado a controlar, só na Argentina, uns 2.000 bordéis e 30.000 prostitutas, a esmagadora maioria das quais havia vindo da Europa, porque mais adaptadas ao gosto da clientela. Representariam sensivelmente metade do mercado total da prostituição argentina. Penso ser dispensável explicar como se desenrolavam as operações desde a contratação na aldeia remota da Europa até à instalação no bordel, assim como é evidente que, para que tal empório existisse, ele tinha que contar com a cumplicidade das autoridades. No Brasil as operações da Zwi Migdal, embora precoces (os primeiros registos datam de 1872, ainda do período imperial) foram mais localizadas (no Norte e Nordeste as prostitutas judias sofriam a concorrência da mão de obra local), embora elas ainda hoje possam ser notadas no vocabulário do português sul-americano: há a palavra cafetão como sinónimo de proxeneta, por analogia com os prósperos kaftans tipicamente russos envergados pelos encarregados dos estabelecimentos; ou então a desqualificação que no Brasil sofreu o qualificativo polaco ou polaca (por sinónimo de prostituta), substituído por polonês ou polonesa, ao contrário do que acontece no português europeu.
Apesar de progressivamente mais perseguido pelas autoridades do Novo Mundo (acima, notícias de um jornal argentino de 1930 anunciando a prisão de 108 membros da organização), a Zwi Migdal prosseguiu as suas actividades até ao começo da Segunda Guerra Mundial. Mas, mais do que a Guerra, foi o Holocausto que exterminou o campo de recrutamento dos operacionais da Zwi Migdal. Factores adicionais posteriores – como o estabelecimento da Cortina de Ferro ou a fundação de Israel – conjugaram-se para pôr fim a esta conotação fortíssima entre esta máfia judaica e a prostituição. Porque o assunto das máfias sempre desperta os seus entusiasmos, é no mínimo curioso apercebermo-nos de como a Zwi Migdal se pode ter tornado hoje tão pouco recordado. Mas creio que será compreensível, tal a persistência da imagem da vitimização dos judeus de 1945 para cá. Publicar títulos em que se podem ler expressões como a Mafia Judia (abaixo) é correr sérios riscos de acusações de anti-semitismo.

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