O exercício é recorrente: pega-se num caso da actualidade e confrontamo-lo com outro do passado em que os actores políticos se apresentavam na posição precisamente inversa. O resultado não costuma ser edificante. Desta vez trata-se do escândalo da tal Lista VIP que, não existindo, afinal existia e que deixou em muito maus lençóis o primeiro-ministro e sobretudo um secretário de Estado do CDS, Paulo Núncio. Em contraste, em Janeiro de 2011, o alvo havia sido o ministro Rui Pereira do PS. Nessa altura, como se pode ler mais abaixo, o CDS não se mostrara satisfeito com a imolação de dois directores, responsabilizados pelo fiasco que fora o registo eleitoral para as eleições presidenciais daquele mês e que tornara a vida de alguns eleitores num tormento quando não os impedira mesmo de votar. Segundo o CDS, Rui Pereira ou um dos seus secretários de Estado teriam que – segundo a fórmula consagrada para essas ocasiões – extrair as consequências políticas dos factos. Claro que - e perdoe-se-me a grosseria - Rui Pereira não extraiu porra nenhuma e lá continuou mais quatro meses até ao governo cair por causa do chumbo do PEC IV. Relembre-se o quanto a propensão para se ficar agarrado ao poder é antiga e, ao contrário do que se está a ouvir por aí, não começou com este governo. O que eu espero é que Rui Pereira não tenha o descaramento de dizer agora alguma coisa sobre assumpção de responsabilidades políticas lá do cantinho da CMTV onde por ora, perora.
Voltando à actualidade, agora é o PS que não se dá por satisfeito com os dois directores que já foram alijados borda fora por causa da Lista VIP e parece querer continuar a escarafunchar num assunto que lhe parece prometedor: Paulo Núncio não parece aquele género de político susceptível de despertar um particular entusiasmo solidário entre as hostes governamentais e o (notório) desconforto em o defender está a tornar-se num pratinho mediático pelas piruetas a que força (veja-se a quase jura solene de Lobo Xavier no vídeo abaixo, feita antes da admissão da existência da lista, depois necessariamente desmentida pelos factos). Paulo Núncio é um reconhecido especialista em fingir dizer o que não disse. Mas claro, como já deixei aqui ontem expresso, não creio que que Pedro Passos Coelho esteja disposto de bom grado a deixar sair Núncio, para ter de se dar ao trabalho de ir desenterrar alguém disponível para fazer os seis meses de governo em falta. Mas o que me levou a realçar neste poste o contraste entre estes dois casos é que, tendo ouvido referências a várias outras demissões ministeriais, não os vi a estes dois casos mencionados e emparelhados em lado algum, num emparalhamento pertinente mas inconveniente para além da própria contradição, porque é transversal ao espectro político. Nem um Miguel Abrantes da Câmara Corporativa, nem um colunista do Observador querem falar disto assim...
Em jeito de remate e para que conste: sou de opinião
que Paulo Núncio se deve demitir; assim como Rui Pereira o devia ter feito. O
facto de que a intersecção dos conjuntos dos que se dispõem a defender uma e
outra demissão ser, por sua vez, um conjunto praticamente vazio, explicará
porque é que, no plano ético, a política tem a reputação que tem: poucos são o que por lá andam respeitando a verdade, mesmo que esta se possa virar contra as suas simpatias clubísticas. E o facto de,
quatro anos passados, quase ninguém lembrar a (falta de) atitude de Rui Pereira
mostra também o correcto valor que o colectivo atribui a esses gestos e a essa falta
de ética. Mas depois não nos queixemos.
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