18 março 2015

EM HOMENAGEM A ÉDOUARD DRUMONT E A TODOS OS NOSSOS «DRUMONTS» DO SÉCULO XXI


Em finais de Janeiro de 1910 Paris conheceu aquelas que serão as maiores cheias do Século (XX). Mais de 200 mil parisienses habitando os bairros ribeirinhos ao Sena serão afectados. Um desses parisienses chama-se Édouard Drumont (1844-1917), jornalista, escritor, polemista e político. Figura conhecida da sociedade de então, fundara em 1889 a Liga Anti-semítica de França e em 1892 o jornal La Libre Parole, que dirigiu até 1898, ano em que foi eleito deputado por Argel. Por esses anos, a França vivia, encarniçadamente, o drama do Caso Dreyfus (1894-1906), o oficial judeu que fora condenado – a dúvida era se o fora justa ou injustamente – por espionagem. No Inverno de 1910, Édouard Drumont era, aos 65 anos, um veterano das opiniões (publicara um ensaio de 1.200 páginas intitulado A França judia quase 25 anos antes...), e um dos poucos parisienses que não teria quaisquer dúvidas quanto às razões porque os tapetes de sua casa no VIIº bairro estavam encharcados e ele se via obrigado a recorrer aos serviços de um barqueiro para sair à rua: a culpa fora dos judeus. Porquê? Paris só se inundara porque houvera intensos desmatamentos nos terrenos circundantes ao Sena situados a montante da capital. E nas sociedades que os haviam realizado não havia capitais de primos dos Rothschild? Os furiosos desmatamentos feitos pelos judeus foram, sem dúvida, a causa principal da inundação,¹ concluía Drumont com uma lógica implacável.
Preservando-se a lógica culpabilizadora de alguém de que as audiências andam à procura, a diferença do Édouard Drumont original para os nossos Drumonts do Século XXI é que o original precisava de escrever com elegância, podia ser com o arrebatamento ilógico e inconsequente que se pode apreciar acima, mas empregando uma redacção que se tornasse cativante para o leitor. A televisão tornou isso dispensável e a evolução dos tempos substituiu os judeus – raça específica – pelos políticos – raça um pouco mais difusa de identificar. Paulo Morais ou Raquel Varela (para citar só dois exemplos contrastantes do espectro de Drumonts que pululam por aí e que podemos apreciar abaixo numa aparição televisiva conjunta) têm, cada qual, sempre uma explicação mais do que previsível para as desgraças do nosso tempo (a corrupção e os patrões), mas agora nem é preciso descrevê-las e fundamentá-las (nem que se tratasse do disparate do desmatamento lá de cima). Considerada a densidade do auditório e a sua mesma sede em arranjar culpados, só é preciso dissertar um pouco sobre essa explicação.

¹ Les déboisements furieux opérés par les juifs furent incontestablement la cause principale de l' inundation.

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