Foi o britânico L. P. Hartley (1895-1972) que escreveu originalmente que o passado é um país estrangeiro, faziam-se lá coisas diferentes. O Portugal de há 45 anos é-o para nós. Viviam-se os anos da Primavera Marcelista que, observados hoje de uma distância desapaixonada e apesar das promessas políticas e outras que continham, evidenciam o aspecto paroquial do que era então a nossa vida cultural. Estreado em 1970, o filme O Cerco, realizado por António Cunha Telles, bem se podia enquadrar num exemplo do movimento vanguardista a que as elites locais haviam dado a designação de Cinema Novo, mas estes vídeos dessa altura que aqui se exibem dão-nos uma imagem bem confrangedora daquilo em que consistiria a novidade nesse tal de cinema.
Há uma entrevista à estrela do filme, Maria Cabral, uma entrevista medíocre. Não apenas pela pomposidade deslocada do entrevistador (...vamos com ela travar algumas palavras...) mas sobretudo pela leveza - não se sabe se cultivada - das respostas da entrevistada (...até agora fiz um filho e pouco mais...) apesar dos seus 28 anos, dando-nos uma pista, pelo teor das respostas, da razão porque é que ela seria sobretudo elogiada pela fotogenia...
Também há uma reportagem da RTP em que, com uma indisfarçável subserviência insegura às influências francesas, se procura saber qual estará a ser o acolhimento do público parisiense ao filme. Parece-se ter privilegiado os espectadores que terão elaborado as respostas intelectualmente mais densas. Mas, para quem queira julgar por si e disponha de duas horas, o último vídeo contêm o próprio filme, muito elogiado na época.
Tudo hoje nos parece irreconhecível: o comportamento dos actores, as opiniões do público, o país onde decorre a acção do filme e o argumento deste último que, aqui entre nós e por muito que fosse novo quando da estreia, resulta numa grande pastilha - não sobrevive ao teste do tempo.
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