27 maio 2020

COMO TRANSFORMAR EM NOVIDADE UMA «PROEZA» TECNOLÓGICA QUE JÁ TEM 55 ANOS...

cinquenta e cinco anos a separar as duas notícias dos extremos deste poste e, no entanto, elas anunciam o mesmo feito tecnológico: a colocação de dois astronautas americanos em órbita terrestre... Quanto ao facto da SpaceX, que irá ser a responsável pelo lançamento, ser uma sociedade privada, isso é mesmo conversa ideológica, que não tem qualquer pertinência para o assunto. Sociedade privada também a era a Martin Marietta que construiu o foguetão Titan II, que propulsionava a cápsula «Gémeos» de há 55 anos (vídeo abaixo). A corrida espacial foi disputada, do lado americano, por empresas privadas. A agência (estatal!) responsável, a NASA limitava-se a programar, especificar, coordenar e a criar concursos a que essas empresas privadas (Boeing, North American, McDonnell Douglas, etc.) concorriam. Foi com esse material construído por essas construtoras privadas que os americanos chegaram à Lua. A NASA ainda hoje existe, continua a funcionar do mesmo modo, e o logotipo da agência continua ostensivamente visível nas fotografias acima, tanto nos macacões dos dois futuros astronautas como no dispositivo da cápsula que os transportará para órbita.
O que acontecerá de novo é que os Estados Unidos recuperarão a sua capacidade de colocar astronautas em órbita, mas isso dificilmente poderá ser levado à conta de uma proeza. Será antes e apenas a correcção de uma asneira das administrações Bush (2001-09) e Obama (2009-17) que, subfinanciando o programa espacial norte-americano, os deixaram na contingência de depender exclusivamente dos meios disponibilizados pelos russos para a colocação de tripulações em órbita. A propensão (natural) de uma empresa privada (SpaceX) para se promover apenas preenche mais um pouco do absurdo* acima. Em contraste com a exuberância que acima se pode ler, a China testou no princípio deste mês uma nova nave espacial, mas como não publicou fotos, nem fez muito fogo de artifício, o acontecimento passou praticamente desapercebido. Mas o copo cheio do disparate é constituído pela demissão da responsabilidade de quem notícia estes assuntos, quando o faz sem qualquer preocupação crítica, limita-se a republicar o que o pessoal das RP da empresa em causa lhes forneceu. Por muito que a comunicação social se queixe, sobre estes assuntos, que necessitam de conhecimentos prévios superiores à tradicional tudologia, há sempre alguém numa qualquer rede social que aparece a comentar o assunto com mais profundidade do que aquilo que os profissionais fazem. Ainda por cima quando os das redes sociais o costumam fazer de borla.
* O absurdo de promover como excepcional a reedição de uma proeza tecnológica com 55 anos de idade. 

7 comentários:

  1. Quanto ao facto da SpaceX, que irá ser a responsável pelo lançamento, ser uma sociedade privada, isso é mesmo conversa ideológica

    Excelente observação.

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  2. há sempre alguém numa qualquer rede social que aparece a comentar o assunto com mais profundidade

    O problema das redes sociais é que, por cada um que comenta os assuntos com mais profundidade, há mil que os comentam com menos...

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  3. Certamente que não vou acrescentar muito mais dizendo que as tais construtoras privadas também já não são o que foram... Parte delas até foi absorvida pela Boeing, e o resto da história é do conhecimento geral...

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  4. Luís Lavoura, a sua ficha dá-o como inscrito no blogger desde Julho de 2010 e, nesses dez anos, é a primeira vez que o leio a fazer-me um elogio.

    O momento é histórico, mas o elogio, desculpar-me-á, é uma merda. Limita-se a transcrever uma passagem do meu texto para depois acrescentar: «Excelente observação». Porquê? Aquilo não é nada! Se pensa que eu me contento com tal vacuidade depois de dez anos de espera, vá p´ó caralho, pá!

    Assim não: agora que o vi fazer as duas coisas, percebi que você é muito melhor a implicar do que a elogiar. Ainda bem que o seu período delirante só durou três minutos, entre as 11:22 do primeiro comentário e as 11:25 do segundo, que já contém um comentário adversativo como é tradicional em si. Estúpido, como também é tradicional.

    Embrulha dois problemas num só. O papel que eu esperaria da comunicação social - e é por isso que ela deveria ser feita por profissionais e reclama pagamento - é a triagem da qualidade daquilo que aparece publicado. Tarefa que não é feita. Há, nas redes sociais, que publica com qualidade, sem cobrar, a avaliação do que é publicado é feita com o risco do próprio.

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  5. Esqueci-me de rematar. De qualquer modo, assinalando o momento: «dez anos é muito tempo». Como cantava o Paulo de Carvalho «muitos dias, muitas horas a...» implicar com o que os outros escrevem.

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  6. Nuno Freitas agradeço-lhe o comentário, tanto mais que aquilo que considera do «conhecimento geral» eu desconfio que não o é.

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  7. Rectifico o parágrafo final do meu penúltimo comentário que saiu truncada:

    «Embrulha dois problemas num só. O papel que eu esperaria da comunicação social - é por isso que ela deveria ser feita por profissionais e reclama pagamento - é a triagem da qualidade daquilo que aparece publicado. Tarefa que não é feita (como aqui se percebe). (Por outro lado) há, nas redes sociais, que(m) publique com qualidade e sem cobrar, (embora) a avaliação do que é publicado (tenha de ser) feita com o risco do próprio. (Isso é um outro problema)

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