12 de Maio de 1980. Uma das páginas interiores do Diário de Lisboa fazia a promoção a um livro no prelo da ex-primeira-ministra Maria de Lurdes Pintassilgo que se intitularia «Sulcos do nosso querer comum». A descrição do que o comporia, "recortes de várias (catorze) entrevistas" concedidas "enquanto fora primeira-ministra", confere-lhe o estatuto de um daqueles tradicionais manuais de arremesso político, que ninguém está interessado em (re)ler, mas que é importante ter estado presente e ter sido visto na cerimónia do lançamento, de preferência a pedir um autógrafo à autora. Talvez para tornar o livro mais aliciante, a notícia dá grande destaque ao prefácio, assinado por Eduardo Lourenço:
«Original no seu perfil mítico, a nossa Revolução esgotou depressa o cabedal de imaginação que parecia destiná-la a exemplo alheio e redenção própria. Só não esgotou a esperança nem os sonhos acessíveis que pareciam tão próximos das nossas mãos frustradas. Sob a decepção, criada a meias pelos que nos falharam as promessas e os que as estrangularam com paciência e método, a viva memória do que foi um momento de fervor colectivo sem igual permanece intacta. Se nada mais a tivesse caracterizado, a experiência governativa de Maria de Lourdes Pintassilgo bastaria como prova dessa memória activa que só espera, como no verão de Sá Carneiro, o «vento propício» para renascer.»
Foi este último prefácio lírico que me despertou a atenção, uma profissão de esperança de uma certa esquerda intelectual que nunca teria tido ocasião de beijar o poder como o fez não tivessem sido as circunstâncias muito peculiares dos governos de iniciativa presidencial, e que ali o grande pensador Eduardo Lourenço não dava mostras de ter percebido a excepcionalidade. Em 1986 foram a votos: Pintassilgo recolheu 420 mil votos.
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