19 de Maio de 1970. Uma notícia interior dá conta do início do julgamento de quatro trabalhadores de um sindicato - o sindicato nacional dos profissionais de propaganda médica - todos acusados do desvio de fundos. Muito se costuma falar, e com toda a razão, do leque alargado de assuntos sobre os quais não havia liberdade de noticiar, antes do 25 de Abril, por causa da censura. Mas, muitas vezes mais poderosa do que os mecanismos de censura, será a assumpção da auto-censura por parte daqueles que redigem as notícias. E este exemplo com 50 anos que aqui recupero é muito interessante quanto a esse aspecto. Porque, apesar de se ter a certeza que a natureza humana continuou a ser a mesma, antes e depois do 25 de Abril, e se continuarem a registar certamente desvios e apropriações ilegais de fundos entre quem os movimentava nas organizações sindicais, um título com este destaque e esta crueza será impensável de aparecer assim publicado no Diário de Lisboa e em quase todos os jornais portugueses nos anos imediatamente subsequentes ao 25 de Abril. E isso aconteceu não por uma questão de falta de liberdade de o poder noticiar. Mas por uma espécie de imposição de um novo paradigma, que estabeleceu que a defesa dos trabalhadores era uma causa quase sagrada, e que seria mau para a moral pública revelar-lhes que as associações que os devem defender, os sindicatos, também podiam ser vigarizadas, como qualquer outra instituição. Este novo paradigma durou uns bons quinze anos, até à época do cavaquismo e só veio a ser rompido por um jornal da direita, O Independente, perante o caso escabroso da UGT e do aproveitamento que essa central sindical fizera dos fundos de formação europeus (abaixo). Mas nesse intervalo de tempo que vai de 1970 a 1990, nunca pôde ser grande notícia a de sindicalistas em tribunal por apropriação de fundos.
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