13 de Maio de 1950. A notícia era pequena mas, para os atentos, o interesse que ela despertava era grande. Se repararem bem, Kurt Müller (1903-1990) era vice-presidente do Partido Comunista na Alemanha Ocidental, mas fora preso em Berlim e presumivelmente em Berlim Oriental, dado que quem anunciava a sua prisão era o Ministério da Segurança do Estado da Alemanha Oriental (a famigerada Stasi). Mais do que isso, Müller era um dos quinze deputados comunistas da Alemanha Ocidental, eleitos nas eleições (livres) que haviam tido lugar nove meses antes nessa parte (de cá) da Alemanha. Como parlamentar, ele deveria ter direito àquelas imunidades que as Democracias costumam conceder nestas circunstâncias. Havia naquela notícia óbvias ressonâncias de um choque de soberanias entre as duas Alemanhas, a Ocidental do lado de cá e a Oriental do lado de lá. Hoje sabe-se que Kurt Müller fora atraído a uma armadilha em Berlim Leste pelo seu camarada Artur Illner (mais conhecido pelo pseudónimo de Richard Stahlmann, ou seja, o homem de aço daquelas paragens...), a metade da cidade onde vigorava a jurisdição da República Democrática Alemã e onde ele fora preso pela Stasi sob as ordens directas de Erich Mielke. Naquele dia, os leitores mais esclarecidos do Diário de Lisboa apenas poderiam suspeitar que os comunistas alemães também se preparariam para realizar uma purga interna ao estilo das que estavam a decorrer nos outros países do Leste da Europa, alguns casos já aqui mencionados como os da Hungria ou da Bulgária. Como Rajk no primeiro caso e Kostov no segundo, Müller fora capturado para ser acusado de todas as perfídias e sacrificado como um cordeiro pascal no altar do que parecia estar a ser um obrigatório ritual de purificação marxista-leninista para aplacar os deuses de Moscovo. Apesar das previsíveis acusações (terror, espionagem, sabotagem, formação de grupos e actividades terroristas), foi completamente irónico que tivesse sido Moscovo a salvar a vida de Müller, ao julgá-lo num tribunal militar soviético. A pena foi pesada, é certo, 25 anos, para mais quando era para ser cumprida num campo do Gulag soviético na Sibéria. Só que, ao contrário dos outros sacrificados, Rajk, Kostov e tantos outros que os seguiram no patíbulo, era uma sentença reversível. A Alemanha Ocidental não deixou de protestar junto dos soviéticos pelo retorno de Kurt Müller ao país, para mais considerando as circunstâncias equívocas desta sua detenção de há 70 anos. Müller veio a ser libertado do seu cativeiro na União Soviética em 1955, conjuntamente com os últimos prisioneiros de guerra da Segunda Guerra Mundial. Estabeleceu-se na Alemanha Federal e transferiu a sua militância política para uma esquerda mais tolerante. Em 1957 filiou-se no SPD e durante 25 anos (1960-1985) trabalhou como investigador para a Fundação Friedrich Ebert. Em 1990, cinco meses antes de morrer, o PDS, partido que herdara os despojos da Alemanha Oriental e do comunismo alemão, «reabilitou» politicamente o octogenário (86 anos) Kurt Müller, considerando que ele havia sido vítima da «repressão estalinista». Deixo-vos com uma fotografia final, onde Kurt Müller é a pessoa que aparece ao fundo, entre as duas figuras que se cumprimentam em primeiro plano, Pieck e Grotewohl; aparece na fotografia da esquerda... e depois desaparece na da direita, retocada depois de 1950.
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