12 outubro 2016

A POLÍTICA ESPACIAL DA ADMINISTRAÇÃO OBAMA ou OBAMA, O MARCIANO

A três meses do fim do mandato, Barack Obama, num artigo de opinião publicado na CNN, destaca a importância do programa espacial norte-americano e garante que a NASA está a trabalhar com os privados para levar humanos a Marte em 2030. Como quase todas as declarações que quase todos os presidentes proferem quando se começa a aproximar o fim dos seus mandatos, esta também não é para levar a sério. Quem irá cobrar o que (não) vai acontecer em 2030 e, sobretudo, a quem se vai cobrar a falta de palavra? Como em vários outros aspectos da sua actuação (estou a lembrar-me da política externa...), Barack Obama herdou uma situação já de si degradada e deixou-a ainda pior. Mas, como o ritmo de degradação se atenuou em relação ao que se verificara durante a administração Bush, Obama até tem um ar de bom rapaz e há uma poderosa facção da media que o protege (veja-se neste caso a CNN), não se é muito severo a julgar o seu desempenho. Mas há quem perceba do assunto e não seja assim tão indulgente: o ponto em que a política e a exploração espacial se intersectam é na questão dos voos espaciais tripulados. É o que mais pode interessar as opiniões públicas, mas também são os programas que rebentam com os orçamentos. O truque consiste em anunciar projectos espaciais ambiciosos com destinos simbólicos para que as pessoas sonhem (caso da Lua ou de Marte) mas que essas pessoas compreendam que só se poderão concretizar dali por uma dúzia de anos; depois a habilidade - e a diferença com o que aconteceu na década de 60 - consiste em esquecer-se de os dotar de orçamentos compatíveis para tais ambições. Nada acontece mas entretanto dão-se-lhe uns nomes pomposos: o da administração de George Bush (pai) era Space Exploration Initiative; ao de George Bush (filho) deu-se o nome de Vision for Space Exploration. Este último chegou a sair do papel e até chegou às rampas de lançamento, mas o problema que Obama veio a herdar quando chegou à presidência em Janeiro de 2009 era mais grave do que o (sub)financiamento crónico das promessas dos antecessores, era um problema tangível: por razões várias, a principal a segurança das tripulações (dois desastres e 14 astronautas mortos em 1986 e 2003), o Space Shuttle iria ser retirado de serviço em 2011. Com isso, os Estados Unidos iriam ficar sem qualquer nave espacial tripulada operacional e, pelo tradicional subfinanciamento mas também por uma deficiente planificação das administrações de Clinton e de Bush (filho), sem perspectivas de possuir uma outra nave moderna em prazo razoável. Em Abril de 2010, Obama faz um muito publicitado discurso no Centro Espacial Kennedy definindo as novas prioridades do programa espacial norte-americano (abaixo), complementado por uma Lei promulgada especificamente para o financiamento da NASA em Outubro de 2010.

Sendo o discurso de Obama um piscar de olhos descarado a um outro discurso (famoso) de um antecessor seu sobre o mesmo tema, aquele que foi pronunciado por John F. Kennedy em Setembro de 1962 numa universidade do Texas sobre o objectivo de chegar à Lua, a posterioridade encarregou-se de demonstrar que o piscar de olhos não passava de uma intenção. É que menos de sete anos depois de Kennedy ter ali dito que eles haviam escolhido ir à Lua naquela década não por ser fácil mas por ser difícil, os americanos haviam chegado mesmo à Lua; mas seis anos e meio depois de Obama ter pronunciado o seu discurso, esses mesmos americanos não parecem estar nem próximos de chegar a lado algum... Pior: deixaram de poder ir onde anteriormente já haviam conseguido ir. Concreta e exemplarmente, o novo foguetão SLS (Space Launch System), que Obama no seu discurso previu que estaria pronto para ser construído não depois de 2015, parece cada vez mais longe de sair da prancheta: o seu primeiro voo de teste está previsto para Novembro de 2018. Enquanto isso, as capacidades de realizar voos espaciais tripulados, nomeadamente os que são necessários para transportar os astronautas que guarnecem a Estação Espacial Internacional (ISS) são exclusivamente russas. Os chineses também possuem as suas capacidades autónomas embora não estejam associados ao projecto da ISS. É curioso como os norte-americanos que, nas circunstâncias que lhes convêm para assumirem políticas mais duras, invocam a possibilidade da ocorrência dos cenários mais catastróficos, não se questionem quanto ao que pode acontecer na órbita da Terra se a situação política internacional se degradar lá em baixo. Não é possível que o espaço se militarize? E, nessa eventualidade, não é provável que a Rússia use a vantagem que tem sobre os rivais - excepção feita à China - de possuir o monopólio dos voos tripulados e interditar a área aos outros? E que farão os Estados Unidos nessas circunstâncias? Ou eles não consideram essa vantagem significativa? A verdade é que os últimos seis anos da administração Obama não parecem ter feito grande coisa pela resolução do assunto. Deve ser por isso que Obama prefere passar por visionário a falar de viagens a Marte. Sob o tópico, honestamente, eu prefiro abordá-lo ao jeito da ficção científica.

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