22 outubro 2016

O CHOCOLATE COMACOMPÃO E A BOLAMA

Eu nunca comi o chocolate comacompão com pão. Respeitava um ritual: nem o desembrulhava; com a unha do polegar rasgava metodicamente a prata que o embrulhava (diga-se que este embrulho que a imagem acima apresenta já é o do depois do 25 de Abril, quando as disposições revolucionárias aboliram uma outra cobertura adicional em celofane onde aparecia estampada a imagem do chocolate no meio de duas fatias de pão de forma), vincando os três regos que separavam as quatro barras que o formavam. Depois havia o partir cuidado das barras do chocolate, individualizando-as para serem engolidas inteiras, metendo-as à boca e deixando-as derreter metodicamente, para que no processo se evidenciassem as passas e os bocadinhos de amêndoa insertos no chocolate. Nunca achei que aquele chocolate se valorizaria se fosse comido com, ou se fosse associado ao, pão. Anos mais tarde, eu até poderia vir a explicar que o comacompão se afigurava como um caso emblemático de um processo de branding incompetente por parte da Regina que o fabricava. Era a qualidade do produto que o fazia vender-se e que ainda hoje desperta saudades. Mas, para o que interessa, ele representava para mim um dos paradigmas da bolama. A bolama é um conceito difícil de transmitir aos que não foram alunos do Colégio Militar, porque a bolama não se define, a bolama é (ou era). A definir-se do que se trata, seria uma daquelas entradas robustas, de preencher uma coluna inteira de uma página da enciclopédia, porque a bolama pode ser um doce, mas também podem ser salgados, até mesmo ovos mexidos, desde que os ovos tivessem sido gamados do galinheiro do pai da Rosa. Porque a bolama também não pode ser compreendida sem o conceito volátil da sua propriedade... Gamaram-ma, assim como eu também a gamei, alguma com o prazer acrescido do gamanço ter sido feito a alguém que o merecia. E era um consolo para a alma comer qualquer coisa rara que não tivesse vindo do rancho geral. Era um sentido de particularidade. Ao contrário de outras, que tenho ouvido evocadas com uma exuberância que por vezes me parece descabida, bolama é (era?) uma palavra do típico vocabulário colegial que tenho deixado de ouvir com o correr dos tempos. Porventura porque será uma das que, nos dias que correm e com um outro estilo de relação entre alunos e encarregados de educação, terá perdido a sua razão de ser?

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