16 outubro 2023

A DETENÇÃO DE AUGUSTO PINOCHET. SERÁ QUE OS DITADORES PODEM SER JULGADOS?

(Republicação)
16 de Outubro de 1998. Augusto Pinochet é detido em Londres às ordens de um tribunal britânico, respondendo às solicitações de extradição oriundas de um tribunal espanhol. O general chileno e antigo presidente da Junta Militar que governara o país de 1973 a 1990, então com quase 83 anos (mas que apenas abandonara o comando das Forças Armadas chilenas há uma meia dúzia de meses), deslocara-se ao Reino Unido para tratamento médico a uma hérnia e encontrava-se até internado quando a ordem de detenção fora executada. Entre os especialistas legais das diplomacias chilena e britânica que haviam analisado a deslocação, ninguém se apercebera das potencialidades acrescidas da integração europeia da década de 1990. Contudo, essas potencialidades haviam feito ruminar uma ideia num juiz espanhol sedento de publicidade (Baltazar Garzón) que, querendo indiciar Augusto Pinochet pela execução de cidadãos espanhóis durante a ditadura, se aproveitou da sua presença num país da União Europeia para lhes solicitar a sua extradição. As acusações tinham ressonância: genocídio, terrorismo, tortura, desaparecimento de pessoas.
Mais do que as manifestações pró e contra a detenção que as televisões se apressaram a transmitir, a iniciativa foi um descomunal embaraço para as diplomacias envolvidas e para todo um protocolo de comportamento adoptado por elas. Um protocolo onde se subentende que um país anfitrião não inferniza a vida de antigos ditadores quando eles abandonam o poder e se exilam - afinal, o próprio Chile fizera isso mesmo quando acolhera Erich Honecker, o antigo ditador comunista da República Democrática Alemã, após a reunificação alemã. Neste caso dos britânicos e de Pinochet, acrescia o facto de os primeiros lhe deverem favores concedidos em tempos de necessidade, pelo apoio dado pelo Chile ao Reino Unido quando da Guerra das Malvinas (1982). Ao pedido de extradição e ao estupor que se seguiu (mas estas coisas não era só para fazer aos nazis?), seguiu-se uma complexa batalha legal onde era inequívoca para que lado pendia a posição do governo britânico (apesar de ser trabalhista). Em termos mediáticos e como se pode observar pelas fotos, a canónica de Pinochet, de óculos escuros e braços cruzados desafiantes, em 1973, foi substituída pelas de um velhinho amparado que mal se conseguia mexer.
Do outro lado, furos jornalísticos oportunamente surgidos faziam saber que o general que tanto se empenhara pela salvação da sua pátria, afinal detinha milhões em contas no estrangeiro. Em termos judiciais, os que interessam, o governo britânico recusou-se terminantemente a extraditar Augusto Pinochet para Espanha, alegando razões de saúde. Mas a situação gerada pelo pedido espanhol, considerando a gravidade das acusações que sobre si pendiam, era, só por si, um impasse: o antigo ditador esteve em prisão domiciliar mais de um ano (503 dias), até que alguém se lembrou do expediente de o levar a uma junta médica britânica que o declarou irremediavelmente senil e incapaz de ser submetido a julgamento. Os britânicos aproveitaram a oportunidade para o extraditar... mas para o Chile. Mas, nem mesmo no Chile natal, Pinochet se livrou da perseguição jurídica pelos seus actos no poder. A iniciativa de Gárzon desencadeara uma moda, mas a facção dos que o defendiam era aí também mais substancial. Quando morreu, em Dezembro de 2006 (ou seja, mais de oito anos depois desta notícia de há vinte e cinco anos), ainda Pinochet estava a contas com a justiça... que, tirando-lhe uma parte do dinheiro que acumulara, nunca lhe conseguiu pôr a mão em cima.

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