A passagem de Donald Trump pela presidência dos Estados Unidos fez de mim um seguidor muito mais atento da actualidade política por aquelas paragens. Donald Trump abandonou (relutantemente...) a Casa Branca vai para mais de dois anos e meio, mas as réplicas sísmicas que ele e os seus incondicionais deixaram no sistema ainda se fazem sentir, nomeadamente a ultrapassagem continuada de regras de conduta de há muito assentes no sistema político daquele país. Esta semana começou com mais um desses episódios inéditos, o da demissão do líder republicano da Câmara dos Comuns, Kevin McCarthy, eleito pela Califórnia. Para que essa demissão se tivesse dado, e porque a maioria republicana naquela câmara é muito reduzida, teve que haver uma defecção de apenas oito congressistas republicanos a votarem contra o seu próprio líder (acima, à direita), que votaram conjuntamente com os congressistas democratas.
Se, por um lado, a demissão surpreendeu (é a primeira numa história parlamentar com mais de 200 anos!), por outro lado, as dificuldades por que o speaker Kevin McCarthy havia passado para conseguir ser eleito em Janeiro deste ano (15 votações! - um fenómeno também muito raro), indicavam quanto a sua liderança era frágil, para além de controversa. Uma fracção mais radical de congressistas republicanos, composta por uma vintena de representantes (acima, à esquerda), recusou-se continuadamente a votar no candidato do seu partido. Só gradualmente, é que os membros dessa fracção (conotada com Donald Trump) foram transigindo até McCarthy obter a maioria necessário de 218 votos. Mas que o episódio foi indigesto para alguns desses relutantes, é que foi um deles, Matt Gaetz da Florida, a promover a votação de que resultou a deposição de McCarthy. E é aqui que chegamos ao âmago deste poste.
Porque a crise política que se desencadeou na sequência da deposição de McCarthy se deveu aos dissidentes republicanos e porque a imagem desses dissidentes foi Gaetz, todo o aparelho mediático americano está a abordar implicitamente a questão como se se tratasse de uma reedição (reduzida) do que acontecera no princípio deste ano. Só que não. Cruzando as duas listas - algo que não tenho visto feito - percebe-se que há cinco nomes comuns, mas há três nomes novos entre os dissidentes, o que quer dizer que qualquer deles três arranjou entretanto razões para não gostar do speaker do seu partido. Por outro lado, há que reconhecer que houve quinze antigos relutantes que se mantiveram agora estóicos contra esta última tentativa de depor McCarthy. Este é o vício do jornalismo: a presunção é que o leitor é estúpido e que o melhor é que a história seja contada de forma simplificada, mesmo que a simplificação a desvirtue...
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