18 outubro 2023

A GATA FÉLICETTE, A HEROÍNA DO «PROGRAMA ESPACIAL FRANCÊS»

(Republicação)
18 de Outubro de 1963. Os soviéticos tinham tido os seus cães, nomeadamente a célebre cadela Laika (acima, à esquerda), pioneira e mártir do primeiro voo orbital habitado em Novembro de 1958. Os norte-americanos, por seu lado, preferiam os chimpanzés e o seu pioneiro foi Ham, que acima aparece envergando um capacete da NASA pouco antes do seu voo suborbital em Janeiro de 1961. E completam-se hoje precisamente 60 anos que os franceses, naquela sua conhecida folie des grandeurs (mania das grandezas), resolveram adicionar, para glória do seu programa espacial, mais um bicho, o gato, ou melhor uma gata, à gesta da bicharada pioneira do espaço. Baptizaram-na de Félicette e a biografia que para ela criaram dava-a como uma genuína gata frequentadora dos algerozes parisienses antes de ter sido recolhida, qual trabalhadora do Pigalle apanhada pela ramona... Menos oficial mas ainda mais interessante era a historieta transmitida em surdina, que Félicette viera substituir à última hora Félix, um seu colega que, seleccionado antes dela, dispensara, por assim dizer, a honraria de se tornar gato pioneiro no espaço, evadindo-se para se cafrealizar, misturando-se com a gataria de Hammaguir, a vila argelina onde então se realizavam os ensaios dos foguetes franceses. A verdade é que os fait-divers a respeito da viagem espacial de Félicette pareciam ser mais interessantes do que os hard-data. Sobre estes últimos, o que havia a dizer era que o lançamento se inseria no programa de pesquisas espaciais da França, especificamente pesquisas no campo da biologia espacial. O foguete lançador era designado por Véronique. Como acontecia com os concorrentes soviético e americano, a concepção e design dos foguetes franceses também devera muito aos trabalhos percursores que os técnicos alemães haviam desenvolvido em Peenemünde durante a Segunda Guerra Mundial.
O que o voo em que Félicette participaria pretenderia alcançar era transportá-la até uma altitude de 157 km (na viagem ela estaria sujeita inicialmente a uma pressão de 9,5 G para depois estar cerca de 5 minutos em condições de imponderabilidade), para recuperar depois a cápsula, de preferência com a gata viva. Nesse aspecto, a viagem de Félicette veio a revelar-se um sucesso. Félicette teve a sorte do seu lado; um seu colega que participou num outro voo daí por seis dias não a terá... A importância da gata pode ser avaliada pelo facto de haver duas fotografias acima retratando o mesmo momento, o da colocação da gata na ogiva do foguete (onde a fotografia da esquerda parece ser a encenada). Apesar das aparências e das irrelevâncias promocionais (nunca terá havido nenhum Félix evadido), a realidade é que o programa espacial francês se encontrava quase uma década atrasado em relação ao das duas superpotências. A viagem de Félicette apenas repetia aquilo que norte-americanos e soviéticos já haviam testado na década de 1950. A França ainda teria que esperar mais dois anos até conseguir colocar o seu primeiro satélite em órbita. E, no campo concreto das pesquisas em biologia espacial, a França nunca veio a desenvolver uma capacidade autónoma para colocar um homem em órbita (para além dos dois países que já então a tinham adquirido, tal capacidade só veio a ser adquirida em 2003 pela China). A esta distância percebe-se nitidamente que a viagem de Félicette não passava do que hoje designaríamos por um golpe publicitário para maior glória de França!

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