06 outubro 2023

PORTUGAL, A BASE DAS LAJES E A GUERRA DO YOM KIPPUR

6 de Outubro de 1973. Foi o dia do início da Guerra do Yom Kippur: egípcios e sírios atacaram de surpresa e simultaneamente os israelitas num dia feriado para os últimos. Mas as vicissitudes dessa guerra só nos interessem colateralmente, e nem sequer ainda haviam chegado às redacções dos jornais em qualidade e quantidade para aparecerem com o devido destaque na edição desse dia (canto inferior direito). Em contraste, o que nessa edição de há 50 anos se pode perceber muito claramente é o recado público que a diplomacia portuguesa, encabeçada pelo próprio ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, pretendia transmitir ao Departamento de Estado norte-americano. Aproveitando a estadia daquele na ONU, em Nova Iorque, os portugueses não escondiam a sua diplomática irritação com o desinteresse demonstrado pelo outro lado com a renegociação atempada do acordo que lhes permitia a utilização da base das Lajes nos Açores. «Portugal não deseja renovar o arrendamento da base aérea americana dos Açores (...) o arrendamento termina dentro de três meses e, até agora, não se realizaram quaisquer negociações tendo em vista a renovação do contrato» são as palavras atribuídas a Rui Patrício. E, num desdém ostensivo pelas cláusulas vigentes, prosseguia: «dos 436 milhões de dólares prometidos por Washington (...), Portugal recebera apenas um pequeno navio de investigação oceanográfica e um milhão de dólares destinados a bolsas para estudantes portugueses que desejassem frequentar as universidades americanas.»
Um mau negócio: «(...) o seu governo não utilizou os 400 milhões de dólares de créditos (bancários) para a compra de produtos americanos, pois encontrara na Europa melhores condições». Em suma, se os Estados Unidos não se mostravam interessados em preservar as facilidades da base das Lajes, Portugal também não se mostrava interessado nas contrapartidas recebidas até aí pela concessão dessas mesmas facilidades. Mas em breve tudo isso se iria alterar radicalmente da parte dos Estados Unidos. À medida que a guerra do Yom Kippur evoluía, mais Israel se via à beira do colapso militar. A seu pedido, os Estados Unidos iniciaram uma vasta ponte aérea transportando material de guerra que substituísse aquele que estava a ser perdido na frente de combate. O vídeo abaixo dá uma versão estupidamente ingénua desse auxílio, embora a pretensa ingenuidade bíblica e o papel salvífico de Richard Nixon, não lhes dê, aos autores, para querer ressalvar também a importância geográfica única da base das Lajes para a montagem dessa ponte aérea que viria a ligar os Estados Unidos a Israel, salvando os seus cidadãos. A anuência portuguesa foi preciosa, tanto mais que ela contrastou com a posição da esmagadora maioria dos restantes países europeus, que procuraram preservar a sua neutralidade no conflito israelo-árabe. E, por uma (primeira?) vez, os americanos perceberam o valor da localização da base das Lajes. Claro que o acordo, tão periclitante que estava, acabou por ser renovado e que o trabalho negocial da nossa diplomacia veio a ser muito facilitado...

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