31 maio 2016

A LENDA WATERGATE

Há precisamente onze anos (2005) a revista Vanity Fair desvendava finalmente a identidade de Deep Throat depois de cerca de 33 anos de mistério sobre a identidade de quem encaminhara o processo conhecido por Caso Watergate que culminara com a resignação de Richard Nixon. Não me canso de me admirar com o que aconteceu, não até aí, entre os anos de 1972 e 2005, mas o que não aconteceu depois de se saber quem era e o que motivara o denunciante. Porque a revelação da identidade de Deep Throat veio sobretudo revelar uma tremenda fraude, aquilo que não passou de uma enorme fábula moralista contada pelo Washington Post, nessa fábula protagonizada por dois jovens jornalistas dos seus quadros que corajosamente desafiaram uma administração que perdera todas as referências morais de boa conduta até colocar de joelhos o homem mais poderoso do Mundo e mandar para a prisão os seus homens de mão. Em vez disso, a verdade por demais evidente e que fora escamoteada da opinião pública durante 33 anos, é que o FBI, ou pelo menos alguém muito bem colocado dentro dele, estivera desde o início a utilizar o Washington Post para colocar informação selecionada que se sabia muito bem poder vir a destruir o presidente, com os responsáveis do jornal a saberem isso e as suas implicações mas, apesar disso, a sonegarem a informação essencial para a verdade da história de qual era a identidade do informante - para que os leitores ao menos pudessem avaliar por si todo o processo - quem eram os maus e quem eram os bons, se algum sobrasse a merecer o último estatuto... Porque muito do que se escreveu de lírico sobre o jornalismo nos 33 anos que antecederam a revelação da identidade de Mark Felt passava obrigatoriamente pelo Caso Watergate, esta revelação deveria ter tido o efeito de uma cambalhota, a pedir um acto de contrição. Mas não, nada. Nos primeiros anos depois da revelação ainda atribui a ausência de compreensão do que havia acontecido a uma certa obtusidade corporativa a que não faltava uma dimensão trágico-nostálgica - a fazer lembrar, por exemplo,a síntese do XIV Congresso do PCP de 1992. Mas quando onze anos passados ainda ouço de quando em vez discursos elogiosos ao jornalismo pendurados em referências ao Caso Watergate, deixei-me de comiserações: é estupidez, mesmo, o que é espantoso é ser tão persistente. Talvez por que se prefira uma história bonita à verdade.

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