Eu tenho um casal amigo que gosta imenso de jogos de salão, especialmente de jogos de cartas. Tradição herdada da parte da família dele, os dois costumam reunir-se regularmente com os sogros dela para tardes ou noite esquecidas de partidas a pares em jogos absolutamente burgueses como o bridge e a canasta. Onde, como absolutamente burgueses, se dispensa a descortesia de deixar ao acaso das cartas a formação dos pares: Os casais cruzam-se como mandam as regras de etiqueta, mãe e filho, sogro e nora. Ora acontece que a nora não partilha da concentração competitiva colocada em cima da mesa (e aqui o tema emprega-se com propriedade...) pelos restantes. Jogam-se jogos em que o cartear pode ser uma ciência, mas das ocultas, muito para além do engenho e das preocupações da jogadora mais nova. Os resultados do par naturalmente ressentiam-se disso mas o mais interessante de observar era a atitude fleumática, também muito burguesa, do sogro, diante das sucessivas decisões desastradas da nora. Como se o episódio não passasse de um desafio intelectual suplementar, até bem vindo, o sogro limitava-se a sussurrar entre dentes mas de forma audível, onde apenas o tom de voz o traía ligeiramente: «- Assim, vai ser um pouco mais difícil...»
Desconfio que, enquanto Passos Coelho por lá continuar, vai ser um pouco mais difícil para o PSD. O fim-de-semana ainda vai a meio e ele já se esmerou em cartear algumas jogadas menos felizes. No caso de ontem, dos contratos de associação com as escolas privadas, é engraçado como no meio de tanta argumentação cruzada não ouvi ninguém saudar a medida pelo esforço de contenção da despesa pública que ela representa. Talvez porque do lado de quem a implementa esse não seja um argumento que os entusiasme, porque os amarraria para o futuro; talvez porque do lado de quem a critica, e como sempre se suspeitou, a contenção da despesa pública não era virtuosa só por si, havia uma virtuosidade ideológica nos destinatários das contenções. Por muito liberalismo que vogue por aí, parece afinal não existir virtude alguma em conter despesa à custa do sector privado que vive pendurado dos subsídios públicos. Passos Coelho aduz um cunho muito pessoal a todo o assunto ao manifestar a sua preocupação pelas implicações legais da decisão - traz atrás de si quatro anos de governação que lhe conferem uma moral robusta sobre o assunto. Não satisfeito, no dia seguinte (hoje), notabiliza-se por lembrar-nos que nunca participou em inaugurações de obras. O próprio Observador encontrou algumas, enquanto outros jornais, menos compreensivos, publicam um jogo de 20 fotografias de outras tantas inaugurações de que ele se esqueceu. Não quero adiantar nomes de substitutos no partido, mas reconheça-se que, com Passos Coelho, vai ser um pouco mais difícil, e entretanto António Costa agradece.
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