14 junho 2024

O MASSACRE DE KUTA RÉ

14 de Junho de 1904. No decurso de uma das denominadas campanhas de pacificação que, neste caso, as tropas coloniais holandesas estavam a efectuar na ilha de Samatra (actual Indonésia), ocorre o massacre de Kuta Ré, quando um destacamento dessas tropas comandado pelo tenente-coronel van Daalen - 12 oficiais e sargentos holandeses, 200 soldados de origem javanesa e 450 carregadores - atacaram e mataram quase todos os habitantes de uma povoação que procurara resistir à implantação da soberania holandesa. Na acção registaram-se 563 mortos, 2 soldados entre os atacantes, e 313 homens, 189 mulheres e 59 crianças entre os defensores. Terão sobrevivido 51 ou 61 pessoas (apenas mulheres e crianças). Na semana seguinte - a 20 de Junho - noutra operação semelhante de submissão de uma outra povoação foram abatidas mais 432 pessoas e ainda outros quatro dias passados, foram mais 654 mortos. No computo global, a campanha de cinco meses do tenente-coronel van Daalen saldou-se por um registo de 2.902 aldeões abatidos, entre os quais 1.159 mulheres e crianças. Mas o que o episódio de há precisamente 120 anos tem de particular e que o destaca do resto do morticínio, são as fotografias (acima e abaixo) que foram tomadas nesse dia pelo médico militar da coluna, o tenente Neeb. Nessas fotografias, e porque a arte fotográfica ainda estava na infância, podem ver-se as pilhas dos mortos contrastando, na de cima, com os militares vitoriosos do lado esquerdo da foto. A história revisitada dos acontecimentos pretende actualmente - os holandeses costumam ser muito habilidosos em escondê-la e reescrevê-la* - que as fotos chegaram aos Países Baixos onde terão sido objecto de muitas críticas no parlamento. Na realidade, van Daalen acabou sendo nomeado governador da província de Achém de 1905 a 1908 e veio a ser promovido a oficial general, assumindo o comando do exército colonial de 1910 até 1914, quando se reformou e regressou à Europa. Não é a carreira de alguém que foi sancionado pela sua conduta, por muito que tentem dar agora a volta ao texto e, pior, quando dos Países Baixos se põem a tentar dar lições de moral sobre colonialismo a outras potências coloniais como Portugal.
* Exemplos: (1) a história pouco conhecida de Dirk de Geer, o primeiro-ministro dos Países Baixos invadidos pela Alemanha em Maio de 1940, que fugiu e se exilou no Reino Unido, mas que, pela sua germanofilia, acabou por ser demitido, tendo regressado aos Países Baixos ocupados pela Alemanha; (2) as tradicionais simpatias germanófilas dos comandantes militares daquele país, tanto durante a Primeira como nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, o que até levou à substituição forçada deste último, Izaak Reijnders; (3) o curioso facto de que, entre as inúmeras nacionalidades dos pilotos que se engajaram a lutar em aviões da RAF durante a Batalha de Inglaterra, não havia holandeses. Ao contrário de polacos, checos ou belgas, os alemães haviam ocupado o seu país mas os pilotos militares holandeses não manifestavam disposição de combater do outro lado.

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