26 de Fevereiro de 1973. Tem lugar no Teatro Maria Matos o já então tradicional Festival RTP da Canção que nesse ano se notabilizou pela vitória de uma canção - Tourada, cantada por Fernando Tordo - que se notabilizou na época (e desde então) pela sua letra inusitadamente atrevida. Tratava-se de uma letra de um atrevimento revisteiro, mais do que propriamente irónica, já que todos os que a escutavam percebiam as alusões feitas e, mesmo quando quem ouvia perdia a intenção original do autor (Ary dos Santos), reconstituía o sentido da alusão com outra pessoa. Exemplo: no último verso da canção - ...e diz o inteligente que acabaram as canções... - a convicção geral era que aquela referência era ao presidente do Conselho Marcello Caetano, quando afinal o visado era o antigo ministro da Educação, José Hermano Saraiva, e a forma particularmente assertiva como ele acabara uma comunicação televisiva ao país a propósito de uma crise académica de Coimbra na Primavera de 1969: «A ordem vai ser restabelecida na Universidade de Coimbra!»
De qualquer maneira, fosse o correcto ou o adaptado o sentido dado à letra, esta era de uma insolência que só costumava ser tolerada pelo aparelho de censura do regime em locais específicos (como os palcos do Parque Mayer) Neste caso, e devido à popularidade do festival e à sua transmissão televisiva, tivera uma audiência de milhões. Dentro do regime, dividiam-se opiniões, entre as personalidade mais irascíveis e o lóbi da tauromaquia, e quem pensasse que interferir no processo depois do que acontecera seria contraproducente: pior a emenda que o soneto, a propósito do que não passava de um festival de canções. Foram os últimos que prevaleceram e tinham razão: há que reconhecer que o atrevimento da letra não tinha qualquer ressonância fora de Portugal e que não incomodaram o regime, por muito que algumas histórias actuais queiram atribuir repercussões ao episódio que nunca existiram. Comprovando-o, apreciem as imagens do vídeo que serviu de apresentação da Tourada nos restantes países europeus: é um bilhete postal promovendo turisticamente o país, como acontecera nas edições precedentes.
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